O novo filme de Alexander Payne, “Os rejeitados”, estreia nesta quinta-feira, dia 11/01 nos cinemas brasileiros. A história traz os elementos mais característicos da filmografia de Payne: a importância das relações humanas, as fragilidades que as pessoas escondem e as críticas às instituições de autoridade.
Aqui, o cenário é o colégio interno tradicional, Barton Academy, onde estudam somente garotos no final do ano de 1970. Tradicionalmente todos os alunos, funcionários e corpo docente viajam para as festas de natal e ano novo, deixando o prédio vazio. Porém, como alguns alunos não podem viajar com seus pais, uma pessoa é encarregada de tomar conta deles: o professor Paul Hunham.
Os rejeitados: o professor
O professor, interpretado por Paul Giamatti, é extremamente rigoroso, meticuloso e bastante exigente com seus alunos. Essas características garantem a antipatia, de praticamente toda a escola, a sua pessoa. Se por um lado, é possível sentir aversão ao seu cinismo quando entrega com orgulho as notas baixíssimas dos alunos da sua turma, por outro lado, aos poucos pode-se entender o contexto que ele vive diariamente.
Diversos alunos soberbos e arrogantes que vivem dentro de uma bolha. Uma direção que preza mais por agradar os pais de alunos endinheirados e que realizam generosas contribuições para a escola. Professores que presunçosamente desprezam a importância da formação humana e o estudo da história e das tradições.
A rigidez do sistema educacional
Paul representa de forma ambígua a rigidez do sistema educacional tradicional. Quando ele entrega as notas finais de sua disciplina (em sua maioria medíocres) com um ar de satisfação, podemos pensar qual é a real motivação dele? Anteriormente, o diretor da instituição se mostrou contrário a sua alta taxa de reprovação.
Paul considera os alunos muito preguiçosos e pouco compromissados com o estudo, pois muitos terão seu lugar assegurado na faculdade. Para ele, a avaliação rígida é uma estratégia para dar sentido ao currículo da sua disciplina. Para ele, o conhecimento é o que faz a vida valer a pena, porém ele não consegue passar essa paixão para seus alunos, pois o conhecimento não é cumulativo.
Os rejeitados: a chefe de cozinha
A chefe de cozinha Mary (Da’Vine Joy Randolph) escolhe também ficar na escola. Ela está vivendo um luto recente de seu filho, que outrora havia sido aluno da instituição e posteriormente foi convocado e morto na Guerra do Vietnã. Seu destino foi bem distinto daquele dos alunos de Barton, cujo caminho pós-formatura costuma ser o de faculdades prestigiadas, e não o serviço militar.
Sua personagem é a mais “pé no chão” de todos. Ela representa a realidade que ao mesmo tempo circunda a escola, se mantém à vista, de forma sutil, mas ao mesmo tempo evidente. Sua presença motiva e induz um pano de fundo de temas histórico-sociais dos Estados Unidos e do mundo do início da década de 1970.
Os rejeitados: O aluno
No entanto, de um grupo de 5 alunos, repentinamente sobra apenas um: Angus Tully (Dominic Sessa). Quando ele é apresentado no início do filme, percebemos um jovem seguro de si e um pouco soberbo. Se inicialmente, ele nem está na lista dos “rejeitados” pois sairá de férias com a mãe e o padrasto, ele acaba se tornando o último remanescente dessa leva de esquecidos.
Se por um lado, este cenário lembra um pouco “Sociedade dos poetas mortos”, aqui não temos uma representação tão distinta nem dos alunos, nem dos professores ou da direção. Ambos louvam o ofício da docência, mas enquanto o primeiro apresenta um retrato mais romântico, aqui há mais uma crônica sobre as angústias e os ônus da responsabilidade de lecionar. Não, à toa, Paul Giamatti ao vencer o Globo de Ouro de melhor ator em filme de comédia/musical dedicou o prêmio a todos os professores.
Os remanescentes
O título original “The holdovers” traduz-se como os remanescentes. Ou seja, aqueles que sobraram, que foram esquecidos por um sistema que não parece servir para todos. Inicialmente não entendemos muito bem porque cada um é como é. Todos parecem fechados excessivamente ou com motivações sem nuances. Aos poucos vemos apenas camadas exteriores.
Assim como o professor Paul tenta manter o controle dos alunos por meio da rigidez da sua prática docente, cada personagem produziu, à sua maneira, uma forma de manter o controle. Eles representam a dificuldade, que a solidão impõe às pessoas, de deixar suas fragilidades à mostra.
Solidão
O filme mostra que podem existir diversos tipos de solidão. Sendo que nenhum deles escolheu a própria, mas foram conduzidos a ela por diversos motivos. No entanto, a convivência forçada faz com que cada um comece a ceder um pouco em suas peculiaridades. Afinal, eles acabam percebendo que a empatia é a melhor arma contra a solidão.
As atuações do trio protagonista é o grande trunfo do filme. Os três conseguem transmitir uma credibilidade de distanciamento para depois irem se aproximando uns dos outros. Isso ocorre aos poucos e de uma forma bem orgânica e realista.
Ode aos anos 1970
Embora o filme seja claramente uma ode ao cinema da década de 1970, ele não se apoia somente nessa nostalgia cinéfila. Afinal, isso seria muito frágil para manter o interesse do espectador. Além do trabalho extraordinário do trio principal, a condução do ritmo do filme é outro trunfo.
O filme tem um ritmo que não acelera nem prolonga em demasia. Há um ritmo que respeita o tom de mudanças e de afeição nos personagens de maneira crível e agradável. Ao mesmo tempo que os estranhamos, nos sentimos próximos deles, à medida que vão percebendo que uma família não precisa ser constituída apenas com quem compartilhamos laços de sangue.
Relações humanas
As relações humanas são a base do filme, sendo a relação entre professor e pupilo o principal mote da história. Não é uma relação óbvia e muito menos floreada. Pelo contrário, é um caminho tortuoso que baseado no clássico conflito entre gerações revela também como o ensino precisa ser um processo de troca horizontal e não uma relação de poderes verticalizada.
Por fim, o filme mostra que mesmo estando no fundo do poço é possível encontrar decência. A mensagem é passada de uma forma que não há apelos para um sentimentalismo exagerado ou óbvio demais. A bondade pode estar nas pessoas de uma forma que menos esperamos, seja por algum ato impulsivo ou por motivos não tão nobres, mas estará lá.
Uma bela história
Há também doses de humor, mas sem ser forçado, mas colocado na dose certa. Embora não seja genial, o que apresenta-se é um belo e simples roteiro. O filme pode trazer um pouco de aconchego aos corações, mas não de uma forma simples ou fácil
Curiosamente, apesar do filme se passar na década de 1970, os figurinos não parecem datar muito a época em que se passa. A história se passa praticamente o tempo todo na escola, cuja construção data do final do século XVIII. Os figurinos e penteados que caracterizam mais o período aparecem mais nos programas de televisão
Onde assistir
O filme tem arrebatado alguns prêmios em diferentes festivais. Recentemente ganhou 2 prêmios no Globo de Ouro: Melhor ator em filme de comédia/musical para Paul Giamatti e melhor atriz coadjuvante para Da’Vine Joy Randolph.
A estreia é no dia 11 de janeiro de 2024. Consulte a rede de cinemas de sua cidade para encontrar sessões disponíveis.