Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood) é uma agradável e emocionante surpresa. Entrei na sala de cinema esperando ver uma cinebiografia comum, embrulhada de presente para as premiações que acontecem neste período do ano. Todavia, ao invés disso me deparei com um roteiro agradável e atuações muito competentes. E assim como em “Mister Rogers’ Neighborhood” ( A Vizinhança do Senhor Rogers, 1968-2001), clássico programa apresentado por Fred Rogers (1928-2003) , Um Lindo Dia na Vizinhança fala de assuntos pesados de uma maneira leve.
Os roteiristas Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster livremente se inspiraram em um artigo do jornalista Tom Junod publicado pela revista americana Esquire em 1998. Nesse texto ele contou sobre sua aproximação com Fred Rogers (interpretado por Tom Hanks) para escrever um pequeno texto sobre o apresentador, o qual acabou virando um artigo com quase dez mil palavras. Aliás, esse encontro resultou em uma bela relação de amizade entre os dois. Marielle Heller (Poderia Me Perdoar?, 2018) dirige este drama que tem um tom de auto-ajuda por justamente falar sobre a busca de entendimento e compreensão do próximo enquanto ao mesmo tempo lidamos com nossos próprios demônios.
Relações familiares e masculinidade tóxica
No filme o personagem inspirado em Junod chama-se Lloyd Vogel (Matthew Rhys), um jornalista, que acabou de ser pai, ressentido e amargurado pelo abandono de seu pai, Jerry Vogel, interpretado pelo ótimo Chris Cooper. Lloyd é o personagem principal desta trama que fala, principalmente, sobre paternidade. Todos os personagens masculinos em certo ponto acabam questionando o que é ser pai e seu real papel na criação de um filho. O filme fala de maneira sutil sobre masculinidade tóxica e como homens no geral não percebem como é nocivo e, de geração em geração, os vínculos são rompidos facilmente, seja por falta de responsabilidade afetiva ou simplesmente porque homens não são criados para expor seus sentimentos.
Há um embate entre o personagem “real” representado por Lloyd Vogel, com características consideradas bem humanas, como raiva e cinismo, assim criando um vínculo com o público por justamente demonstrar sentimentos corriqueiros de frustração. Ao contrário de Lloyd, Fred Rogers é um personagem de natureza calma que causa estranheza justamente por ser “bonzinho demais”. Essa dúvida sobre a índole de Rogers nos prende e em momentos torci para que Vogel conseguisse desvendar o mistério da calma de Rogers. Gostaria que a psique do Mr. Roger fosse esmiuçada mas o personagem serve mesmo como fio condutor para as mudanças necessárias do personagem principal.
Atuação de Tom Hanks inspira
Mr. Roger se torna uma espécie de narrador que nos conta a história de Lloyd Vogel (Matthew Rhys), que tem a missão de escrever um perfil do apresentador de TV para a revista Esquire. Este encontro acaba mudando a forma de Vogel se relacionar com sua família. O filme nos cativa de início com uma fantástica abertura feita com maquetes, bem aos moldes de “Mister Rogers’ Neighborhood” e com Tom Hanks cantando o clássico tema de abertura do programa de Rogers, “Won’t you be my neighbor?”.
Tom Hanks brilha e faz jus às indicações a prêmios importantes que anda levando ao interpretar o carismático apresentador de programa infantil Fred Rogers que, de forma lúdica, falava com as crianças sobre assuntos pesados como morte, divórcio, guerra, sentimentos de raiva e frustração. Incentivava as crianças a exporem seus sentimentos para que elas não se machucassem ou não machuquem alguém próximo, sempre de forma criativa e educativa.
Talvez o público sinta falta de protagonismo vinda do complexo personagem de Hanks. Contudo, sua filosofia ronda por todo o filme onde falas importante são ditas e nos fazem pensar. Rogers acreditava na individualidade da criança, respeitando suas características próprias. Os adultos no geral se esquecem que um dia foram crianças, desaprendem como pensavam e acabam reprisando os mesmo erros do passado.
Um Lindo Dia na Vizinhança vem sendo muito elogiado pelo público em geral, talvez por tocar em certas feridas que todos temos, criando uma fácil conexão. Seja por problemas com seus pais, brigas em família ou até mesmo o despreparo emocional que temos diante da morte de um ente querido. Você poderá ver a dupla Lloyd Vogel e Fred Rogers (Matthew Rhys e Tom Hanks) nos cinemas a partir de 23 de janeiro de 2020. Ótimas atuações e emoção garantida.