Tudo o que você podia ser estreia hoje trazendo um amálgama entre ficção e realidade. As personagens do filme têm os mesmos nomes de quem as interpreta e, em alguns casos, quem interage com elas são pessoas reais. É assumidamente uma realidade-documentário ou um documentário-ficcional. E se torna ainda mais real quando se assiste ao filme e percebe-se que tudo o que se está vendo pode realmente acontecer. Todas as partes. As boas e as ruins.
Antes de tudo, no entanto, é preciso dizer que o roteiro, de Germano Melo, mescla elementos ficcionais e documentais para contar a história de quatro amigas em Belo Horizonte. Aisha está prestes a se mudar para São Paulo, Igui para Berlim, e as quatro se juntam para comemorar esse momento tão importante nas vidas das duas. É também, portanto, uma despedida de Aisha, já que ela vai embora no dia seguinte.
O roteiro bem-construído e uma direção no ponto de Ricardo Alves Jr. deixam claro a importância da amizade entre essas mulheres. Algo que é ainda mais essencial na vida de mulheres trans, que muitas vezes não recebem o apoio e o amor necessário dentro de sua família de sangue. Com isso, precisam formar uma nova família.
Direção natural

O interessante na direção de Ricardo Alves Jr. é que é muito natural. Parece que ele somente ligou a câmera e pediu para as mulheres interagirem. Sabemos que não foi assim, mas é esse direcionamento que dá a sensação documental ao filme: é muito próximo à realidade. A química existente entre Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares ajuda a parecer que o espectador é aquele vizinho fofoqueiro espiando a vida alheia acontecendo bem na sua frente. As quatro se integram e se completam de forma orgânica, o que torna o tempo em que passamos assistindo ao filme agradável e instigante.
A forma com que Ricardo e Germano escolheram ir pincelando aos poucos cada uma das personagens também dá o tempo certo para o espectador ir conhecendo no tempo certo cada uma delas e se simpatizando por cada uma. As partes mais negativas da vida de cada uma não são entregues também tão rapidamente. É de conhecimento público que a vida de uma pessoa trans não é fácil. O Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo e sua expectativa de vida não passa dos 30 e poucos anos.
Por causa disso, muitos filmes escolhem se debruçar nas violências sofridas por elas, não apenas físicas, como também emocionais e psicológicas. Contudo, Tudo o que você podia ser não foca nessa parte da vida delas. Não deixa de mostrar, é claro, já que, infelizmente, é algo comum de acontecer. Mas o essencial que é mostrado é quão potente cada uma dessas personagens é, o quanto elas ainda vão viver e o quanto se amam.
Vivências
Acho que não posso deixar de falar a importância que é ter histórias de pessoas trans na tela do cinema. Pessoas que sempre foram relegadas às periferias da sociedade, que a sociedade muitas vezes nega direitos básicos. É mais importante ainda mostrá-las em suas potências e alegrias. Elas já sabem o quanto sofrem. Elas não precisam ser mais violentadas ainda vendo agressões na tela. É importante demais ter histórias como essa, onde elas somente são quem são e vivem suas vidas e são amadas. Com dores e felicidades, mas elas são. E ninguém pode tirar esse direito delas, de serem quem são.
Tudo o que você podia ser é um filme positivo. É um filme que mostra as personagens em suas essências e em suas vivências. Mostra o interno de cada uma delas, além do externo. E o poder de uma amizade. Não a toa recebeu Menção Honrosa no Prêmio Félix e o Troféu Redentor de melhor direção no Festival do Rio do ano passado, pois Ricardo Alves Jr. realmente fez um belíssimo trabalho. Não apenas ele, como também todos os envolvidos no projeto.

Sem contar que ainda tem a delícia do sotaque mineiro no filme inteiro, né, gente. Gostoso demais de ouvir!
Tudo o que você podia ser estreia hoje, 20 de junho, nos cinemas de diversas cidades do Brasil.
Sinopse oficial
Aisha está de partida e atravessa um dia especial na companhia das melhores amigas, Igui, Bramma e Willa. Entre risos e lágrimas, confissões e encontros afetuosos, é hora de celebrar até o limite, quando o nascer do sol se irradia sobre a beleza tocante e sincera dessa amizade. Borrando os limites entre o real e o ficcional, é um retrato autêntico da mais plena liberdade queer. Pelo olhar das personagens, viajamos pela experiência sensível, brilhante, de corpos dissidentes que nos tocam pelo reconhecimento do que nos torna melhores, humanos: o amor, os laços de amizade, a alegria de ser o que se é.
Por fim, fique com o trailer do filme:
Ficha Técnica
Tudo o que você podia ser
Brasil | 2024 | 73min. | Drama
Direção: Ricardo Alves Jr.
Roteiro: Germano Melo
Elenco: Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares
Participações Especiais: Docy Moreira, Renata Rocha e Sitaram Custódio
Direção de Fotografia: Ciro Thielmann
Produção: Julia Alves
Direção de Produção: Nina Bittencourt
Direção de Arte: Luiza Palhares
Figurino: Luiza Palhares e Luiz Dias
Montagem: Lorena Ortiz
Som Direto: Fabricio Lins
Trilha Sonora: Barulhista
Canção-tema: Coral (a saber, a música “Tudo o que você podia ser”, de Milton Nascimento).
Produção: EntreFilmes e SANCHO&PUNTA
Distribuição: Sessão Vitrine Petrobrás

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