O filme 1982, de Oualid Mouaness, retrata o período da Guerra do Líbano, uma guerra civil que resultou na divisão do país. Posteriormente, o Líbano se reestruturou, mas as marcas do conflito continuam na cultura local. A maior parte do longa se passa em uma escola em Beirute e mostra a vida comum dos alunos até os primeiros momentos da invasão israelense à cidade.
O diretor Oualid Mouaness concedeu entrevista coletiva para jornalistas brasileiros e falou sobre sua visão do conflito para o filme, como a guerra afetou a sua própria vida e outras influências que resultaram em 1982.
Como as pessoas no Líbano vão aceitar essa visão da guerra?
Oualid Mouaness: O meu objetivo com o filme era que todos pudessem se relacionar, não apenas aqueles que estavam debaixo das bombas, como eu estive, mas também para as pessoas que estavam do outro lado, porque esse filme é sobre todos. E, o que eu percebi, é que a experiência interna de medo, amor e família existiam em todas as partes desse conflito. E para esse filme, eu fui muito sortudo em ter estado em uma escola que todas essas polêmicas que existem no Líbano, existiram nessa escola de forma bastante misturada, o que é muito raro e meu deu oportunidade de ver isso tudo. E nesse contexto, os lados são obrigados a conversar entre si. Claro que ainda tenho dúvidas se esse filme funciona para as pessoas que estão do outro lado. Uma das primeiras exibições no Líbano, não foi em Beirut, foi no sul. E eu estava muito nervoso em como eles veriam esse filme. Quando terminou, foi muito emocionante, pois eles disseram que se enxergaram no longa. Ver que todas aquelas pessoas diferentes estavam se conectando foi uma recompensa para mim. É um filme sobre pessoas normais que entendem que a violência não é o caminho. Assim como entendem que essa não é a solução na Ucrânia. A minha ideia é que a narrativa fale com a nossa história, para que ela não se repita.
Como o conflito afetou sua vida?
Oualid Mouaness: O que é muito doido da minha vida é que eu cresci em dois países: Libéria e Líbano. Dois países que foram devastados por guerras. A primeira grande guerra da minha vida foi a representada em 1982, porque eu não sabia o que aquilo significava. Nós sempre escutávamos sobre guerras e as coisas que estavam acontecendo, mas não víamos de forma tão clara quanto vimos naquele ano. É um filme bastante autobiográfico, com um contexto real. Foi exatamente como nós vivemos essa guerra. Foi como eu entendi que existiam partes de toda divisão. Na minha família havia pessoas de ambos os lados. Apesar de eu não os entender, eu sentia por eles, era muito claro. No filme eu tentei levar esse sentimento, sem se preocupar com os detalhes. Mas esses sentimentos, conforme o tempo passou, se tornaram mais difíceis de entender. Depois de 1982, fomos para a África, depois voltamos ao Líbano, e houveram outras guerras mais violentas e mais presentes para nós. A cada conflito entendemos que a ferida se tornava mais profunda. Eu entendi o que aconteceu em 1982 nos anos noventa, quando o Líbano se abriu e Beirute Oriental e Ocidental deixaram de existir. Foi quando fiz muitos amigos do outro lado e entendi que crescemos em bolhas e não sabíamos muito pois, assim como hoje, existem bolhas de propaganda que eram diferentes na época. A história toda nunca havia sido contada para nós. A época da minha vida por volta dos vinte anos foi um processo de cura e acredito que não podemos nos curar se não olharmos para trás, porém sem raiva. Eu não queria fazer um filme que relembra esses momentos com raiva. Eu queria uma obra que remetesse a esse período e trouxesse de volta o que importava, com todas as camadas. Foram muitos anos de escrita do filme porque eu queria falar de todas essas camadas. É uma história simples, mas que cria uma reflexão sobre a sociedade e todas as questões dela. Fazer esse filme foi um processo de cura para mim. No Líbano há uma bela mudança com os mais jovens. Temos que mostrar esperança para as pessoas, para que elas possam acreditar nela mais uma vez.”
Abbas Kiarostami e outras influências
Oualid Mouaness: Há um filme de Abbas Kiarostami que me acompanhou muito, ‘Onde Fica a Casa do Meu Amigo?’. É o meu favorito. Eu me lembro de ter assistido no cinema e, de alguma forma, me marcou. Não sei se a influência em si é estética, mas é uma influência emocional e de linguagem cinematográfica. Abbas Kiarostami é muito semiótico em sua visão de cinema e eu acho que isso cria uma poesia, que pode ser feita de diferentes formas. Desde de os meus primeiros curtas eu gosto de dar camadas para as imagens. Você pode ter imagens muito simples que só dependem delas mesmas, e, de repente, as camadas começam a aparecer. Isso é algo que eu não sabia que fazia até começar a trabalhar um pouco mais. Então, sim, Abbas Kiarostami é um cineasta muito especial para mim. A outra coisa que eu gosto de passear por é a pressão da imagem. Toda imagem tem uma pressão, se eu te mostrar uma foto por dois segundos, ela vai dizer o que precisa ser dito. Se eu te mostrar por mais tempo vai dizer mais coisas. Eu acredito que, de um certo ponto, esse é o poder do cinema. Você permite que as pessoas vejam o mundo. Como elas veriam na vida real, como elas veriam essa imagem e o que eu estou tentando dizer com essa imagem. Isso é muito presente no trabalho do Kiarostami. Se fossem filmes mais rápidos, seriam diferentes, e se fossem mais lentos seriam mais diferentes ainda. É uma balança muito delicada entender que cinema não é só a visão do diretor, é também a visão do espectador. No meu trabalho, eu procuro considerar quem está assistindo e o que eu estou tentando dizer e como essas partes conversam entre si. Assim como um livro. Eu penso filmes como literatura. Você pode comprar livros muito diferentes entre si. Escolher como eu vou contar uma história em imagens, é como escolher como vou contá-la com palavras.
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