O Caderno de Tomy pode ser definido por uma palavra: resiliência. María, a protagonista, encara seus momentos finais de vida de maneira tão consciente e fluída que parece inacreditável, mas é uma história baseada em fatos. A nova película da Netflix retrata uma narrativa que ficou muito popular na Argentina, em 2014. María Vázquez, uma arquiteta argentina diagnosticada com um severo câncer no útero, resolve compartilhar sua condição de saúde pelo Twitter, falando sobre a doença com humor sarcástico através de seus tuítes.
O diretor Carlos Sórín se utiliza de 1h23min para contar, sem enrolação e sem muito drama, o percurso de María desde sua entrada no hospital até seu desfecho de vida. A ambientação se resume ao hospital e ao quarto da protagonista.
O quarto é seu mundo
Aliás, o quarto é um microcosmo bem simbólico. É nesse ambiente controlado que a vida de María se desenvolve. Desse modo, acompanhamos sua rotina com o marido, as visitas do filho Tomy, a publicação de seus tuítes, o entra e sai de médico e enfermeiros. Até social com os amigos, festa e entrevista rola ali. E é, também, onde conhecemos mais de sua personalidade cativante, seus amigos, seus medos e desejos e a relação de cumplicidade que tem com seu companheiro. Ainda que o sofrimento ronde, o quarto é um ambiente com vivacidade.
Com isso, percebemos que existe uma vida além do câncer. Sem cair no motivacional, o longa mostra uma mulher preocupada com a família e muito decidida a não prolongar o seu sofrimento. É um ser humano tentando lidar com uma doença terminal da maneira que sabe: com humor e junto de quem ama. Inclusive, seu companheiro Frederico é quem segura as pontas de maneira assustadoramente racional. Sem spoiler, mas ele fica encarregado de uma missão que é, minimamente, agoniante e surreal. E sem cair no choro.
Os Cadernos de Tomy
Obstinada a deixar um pedacinho seu para o filho de 4 anos, Tomy, María decide escrever um caderno contando sobre seus desejos de mãe, quase como se fosse uma conversa com o Tomy do futuro. O caderno – e quase manual de “viva a vida” – de María acabou virando livro na Argentina e, posteriormente, este longa.
Ainda que o diretor não foque na tristeza da personagem, imaginar os anseios de uma mãe que não verá seu filho crescer é uma das partes que julgo mais tocante, junto com as despedidas. Aliás, há poucos momentos no drama com brecha para lágrimas. Soa mais como uma obra focada na reflexão e não na piedade.
Flerte com conflitos éticos
Sem se aprofundar no assunto, O Caderno de Tomy aborda também a ética e seus desdobramentos no ambiente hospitalar. A diretoria do hospital não quer assumir a responsabilidade pela sedação e nem por uma possível eutanásia pelo fato de María ser uma figura pública. Além disso, temos uma médica que se recusa a tirar a vida da paciente, resumindo seu valor ético com a fala: “Eu posso tirar a dor dela, não a vida.” Então, acontece todo um imbróglio em torno da sedação paliativa de María que mais parece ter sido posto no filme só para movimentar os últimos dias da paciente.
Fora isso, a equipe médica e o médico responsável, Dr. Vigna, se mostram muito cuidadosos com María, a ponto de permitir todo tipo de visita – proibida no hospital – a ela. Será que foi verdade ou floreio do diretor? Fato é que sem as visitas, metade do filme não existiria.
Por fim, O Caderno de Tomy aborda uma temática difícil, baseado numa história verídica e que lembra, um pouco de longe, o filme Mama, com a Penélope Cruz. Ambos têm o câncer como bastidores e a vida como a obra principal. É um filme curto, interessante e com pitadas de sarcasmo.
Assista ao trailer:
Ademais, leia mais
Crítica | ‘Trilha Sonora da Cidade’ traz a arte de rua nas veias da esfinge urbana
Crítica | Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou
Silêncio da Chuva | Longa com Lázaro Ramos encerra 30º Cine Ceará