Quando acabei de assistir “O Irlandês”, confesso que a trama não passou muito pela minha cabeça. Não que tenha sido fraca, pelo contrário, mas a única coisa que conseguia refletir era como esse filme é uma grande carta aberta e sentimental de Martin Scorsese sobre morte, legado e o futuro do cinema.
“O Irlandês” abre com Frank Sheeran (Robert De Niro), em um asilo, narrando sua trajetória de vida. Ele volta aos tempos de seu serviço militar na 2ª Guerra Mundial e vai até sua ascensão na máfia. Sua passagem pela ilegalidade começou quando ele começou a desviar carnes do caminhão que transportava para gângsters locais.
Isso faz com que ele conheça Russell (Joe Pesci de “Os Bons Companheiros”), um chefe local, com o qual desenvolve uma grande amizade. Realizando bicos como assassino e cobrando dívidas locais, ele também passa a se relacionar com o poderoso Jimmy Hoffa (Al Pacino), líder sindical de personalidade forte. Quando Hoffa começa a ter seus problemas com o resto da Máfia, Sheeran precisa escolher sua lealdade.
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A complexidade política de O Irlandês — que envolve até o assassinato do presidente Kennedy — e todo aquele jogo de ameaças trocadas por homens de terno acabam sendo um grande desvio para os momentos mais marcantes e carregados do longa. Mesmo que pouco tempo de tela, a relação de Sheeran com sua família e, principalmente sua filha, Peggy (Anna Paquin, “X-Men”), é muito significante.
Conforme o fim vai se aproximando, fica clara a aproximação de “O Irlandês” com a espiritualidade e a religiosidade. Logo, é muito difícil não pensar no próprio Scorsese. Como católico, ele sente o peso e o valor da família. Seria possível um homem que cometeu diversos pecados ao longo da vida ser perdoado na reta final?
Inevitabilidade da morte
Justamente aí que entra a tecnologia de rejuvenescimento de “O Irlandês”, que traz esse estranhamento visual, mas faz sentido dentro da unidade de um filme que é, ao mesmo tempo, passado e presente. Mais do que isso, mas uma luta contra o tempo. A não-aceitação da inevitabilidade da morte.
Talvez Scorsese esteja com medo do que deixará quanto se for, mas não deixa de ser irônico que sua própria modéstia, e até uma visão meio pessimista de si mesmo, apenas reforça seu nome como um dos maiores cineastas da história.