Camila Paixão é de São Paulo e lançou seu primeiro livro no dia 28 de janeiro de 2023. Dona de uma escrita potente e crua, que não poupa o leitor, “deve ser um buraco no teto” traz 47 poemas que rasgam a pele e mostram o que de há mais profundo no ser humano, o que muita gente tenta esconder. Mas o eu-lírico de “deve ser um buraco no teto” não se esconde, ele se mostra por completo: força e delicadeza. Porque apesar de muito honestos, profundos e potentes, também é possível ver a delicadeza, sensibilidade e fragilidade em cada verso. Talvez seja o tal buraco no teto, por onde ele viu luz e resolveu sair, não deixar nenhum pedaço à sombra. Está tudo à mostra.
Conversamos com a escritora e ela nos contou um pouco sobre seu processo de escrita e sobre o livro. Leia a seguir.
Vivente Andante: Primeiramente, você poderia falar um pouquinho sobre sua história com a Literatura? Como e quando você começou a escrever? Quando se percebeu escritora?
Camila Paixão: Considero que minha história com a literatura começou quando eu ainda era criança. Antes de saber escrever, me lembro de desenhar em folhas de caderno e contar as histórias que criava a partir desses desenhos para a minha família, que as consideravam os meus “primeiros livros” (entre várias aspas, rs!). Eu amava as disciplinas de português e redação na escola. Tive um professor de português incrível da 5ª à 8ª séries, ele me disse que eu podia continuar escrevendo para além dos trabalhos escolares e me contou sobre o curso de Letras na faculdade. Desde então esse sonho de ser escritora nasceu em mim, e passei a rascunhar contos, poemas, fanfics (na adolescência), além de amar ler e estudar literatura.
A faculdade de Letras ampliou ainda mais esses horizontes, e a paixão pela escrita se intensificou com a oportunidade de estudar tantas autoras e autores que eu admirava. Acho que me percebi escritora ainda na adolescência, mas só assumi essa identidade de fato mais recentemente, talvez em 2018 ao fazer um curso de escrita de poesia e saber que eu tinha essa capacidade de criar textos, de pensar em construir um livro. De lá para cá, publiquei alguns poemas e contos em antologias e escrevi meu primeiro livro — acho que foram momentos que me ajudaram a me perceber ainda mais escritora; a gente não precisa publicar para ser escritor, mas foram coisas que, particularmente, me ajudaram a assumir essa identidade.
Uma pergunta que faço para todos os escritores é: como é o seu processo de escrita? Porque cada escritor tem seu método, suas manias…
CP: Essa é uma ótima pergunta! Adoro conhecer esses processos. Eu funciono muito bem escrevendo à mão — caneta, de preferência, porque o lápis acaba se apagando com o tempo —, acho que escrever assim acompanha melhor o meu fluxo de pensamento e ideias. Gosto de ter essa coisa palpável do caderno, da folha, de poder rasurar, excluir, escrever por cima e enxergar de fato esse processo criativo (o que no computador não é possível, já que podemos excluir todo o texto e começar de novo).
Tenho vários cadernos nos quais vou anotando ideias, às vezes são apenas palavras, às vezes rascunho um verso ou poema inteiros. Gosto de dar um tempo para esses rascunhos, de voltar para esses textos após alguns dias e pensar se há algo a mais a ser acrescentado ou se os textos já estão prontos. Não gosto de trabalhar com “metas” (escrever X palavras por dia, por exemplo); acho que precisamos respeitar o nosso tempo, mas é preciso escrever, exercitar essa prática, nem que seja uma vez por semana. O importante é tentar escrever.
E “deve ser um buraco no teto”, como foi o processo de escrita dele? Por que você quis escrevê-lo?
CP: Considero que “deve ser um buraco no teto” foi o meu primeiro filho literário — literalmente, meu primeiro livro de poesia, primeiro livro escrito por completo, primeiro livro publicado. Ele foi resultado de poesias/rascunhos que escrevi ao longo de alguns anos — mais precisamente, entre 2018 e 2020. Fiz um curso de escrita de poesia em 2018 e em uma das aulas um professor abordou a questão de montarmos um projeto de livro — eu nunca tinha pensado em como organizar um livro, e também não tinha material o suficiente para isso. Mas esse foi um ano em que escrevi muito, e comecei a formular o que veio a ser “deve ser um buraco no teto”.
A pandemia, em 2020, bem ou mal me permitiu focar nisso também, fazer um arquivo no Word, juntar os poemas que eu já tinha, acrescentar outros, excluir tantos outros também. Eu queria muito ver esse livro nascer, saber que eu tinha capacidade para escrever um livro completo e assumir essa minha identidade de escritora. Acredito que ele nasceu, principalmente, desse anseio de realizar esse grande sonho que era escrever e publicar um livro. O processo foi o que costumo utilizar para escrever — papel e caneta, cadernos e cadernos com versos e ideias rascunhadas ao longo desses anos, costurando temáticas em comum (que vieram a ser as três partes do livro), reescrevendo estrofes e versos completos até ficar satisfeita com o resultado — acho que o próprio texto nos diz quando ele está pronto.
Quanto à temática, acredito que ele reflita muitas das ansiedades e inseguranças que eu sentia naquele período, e mesmo antes, na verdade. Uma tentativa de exprimir em palavras aqueles sentimentos que nos arrebatem, mas para os quais muitas vezes não conseguimos dar um nome.
Fale um pouquinho, por favor, sobre o título do livro. De onde veio, o motivo…
CP: O título do livro veio de um verso de um dos poemas que o compõem, também chamado “deve ser um buraco no teto”. Ele foi o último poema que escrevi para o livro, no final de 2020, e é um poema inspirado (se é que podemos usar esse verbo quando falamos da pandemia) na pandemia e no isolamento social daquele ano. Quando a primeira versão do livro já estava pronta e na fase de revisão, a Carol Sanches (poeta querida que fez a leitura crítica da primeira versão do livro e quem assina o texto de apresentação) comentou que talvez eu pudesse repensar o título do livro, que na primeira versão se chamava “Morada” (que acabou sendo título de uma das partes dele).
Com isso em mente, o poema “deve ser um buraco no teto” foi um poema que “veio pronto”: o escrevi numa canetada só, e esse trecho, “deve ser um buraco no teto / concreto furado de fora / para dentro” ressoou muito em mim e no sentimento que acredito transpor nos poemas que compõem o livro, essa sensação de incompletude, insegurança e ansiedade que procurei transmitir nas poesias. Quando terminei de escrever o poema, sabia que esse seria o título do livro.
O livro é dividido em três partes: “Prelúdio”; ”Morada” e “Querido diário”. Tem algum motivo especial para essa escolha?
CP: A primeira versão de “deve ser um buraco no teto” não tinha essas divisões. Após a leitura crítica dessa primeira versão e a partir dos apontamentos riquíssimos que ela fez do arquivo, decidi repaginar a estrutura do livro e percebi que alguns poemas combinavam mais entre si do que todos juntos num grande coletivo. Daí nasceram as três divisões — três por eu ter encontrado essas três grandes combinações de poemas.
Quando meu marido leu a versão já com essa divisão, antes de eu enviá-lo para editoras, ele me pontuou que parece que o livro, em geral, está dividido em “fases da vida” — primeiro a infância e pré-adolescência (Prelúdio), depois a adolescência/início da vida adulta (Morada), e a vida adulta com “bagagens” das duas outras fases (Querido diário). Achei muito interessante essa leitura, e fiquei feliz de ter conseguido costurar essas partes de forma que elas fizessem sentido e contassem uma história.
Os poemas do livro evocam imagens para o leitor, são quase como pequenos curtas. Você pensa, no futuro, em fazer essa mistura de palavra e imagem, seja no audiovisual ou com ilustrações, como poetas como Rupi Kaur, por exemplo, têm feito? Caso fosse fazer, como imagina que seria?
CP: Eu amei essa pergunta e à menção à Rupi Kaur, que é uma das minhas autoras contemporâneas favoritas. Admiro imensamente o trabalho dela, e ela inclusive foi inspiração para as ilustrações do meu livro. Fiquei muito feliz com o seu apontamento também, de que os poemas evocam imagens. Acho que, se fosse possível fazer essa mistura entre palavra e imagem, eu gostaria de fazer algo no modelo da Rupi Kaur mesmo, acrescentando mais ilustrações ao livro, talvez uma por poema.
“deve ser um buraco no teto” traz sentimentos muito intensos e difíceis de serem mexidos. É como se, transformando-os em palavras, o eu-lírico tivesse mais facilidade de entendê-los e de seguir com sua vida. Você acha que a poesia e a Literatura em si podem facilitar essa relação pessoa-sensação? Como você gostaria que seu livro tocasse os leitores?
CP: Com certeza, acredito muito que a poesia e a Literatura podem facilitar essa relação. Acho que uma das coisas mais bonitas da Literatura — e das Artes em si, música, cinema, teatro etc. — é justamente transpor aquilo que às vezes não conseguimos nomear, é transpor sentimentos, sensações que parecem singulares, mas que são coletivas. Acho lindo como a escrita, já que estamos falando de Literatura, tem esse poder de alcançar as pessoas de diversas formas – um mesmo poema pode impactar a você e a mim de modos completamente diferentes, mas há um impacto gerado pela escrita e sentido por quem a lê. Eu acho essa relação uma das coisas mais bonitas da vida.
Acho que, com o meu livro, se eu conseguir transpor essa mesma sensação com um de meus poemas para um de meus leitores, meu objetivo já estará alcançado. Poder ser o vetor dessa sensação tão mágica que a literatura já me proporcionou — e ainda proporciona — tantas e tantas vezes. Isso seria incrível enquanto escritora.
Aliás, seus poemas falam muito sobre o poder das palavras. Qual você acha que é o poder dos livros na sociedade? Qual é o poder que as palavras e a Literatura exercem sobre você?
CP: Nossa, nem sei como responder à altura. Eu acho que os livros têm um poder social imenso, são um caminho para a cultura, uma porta de acesso para a educação, para possibilidades. O livro é também porta de entrada para uma atividade de lazer de importância imensurável, ler é uma das atividades mais prazerosas da vida. É o clichê “viajar sem sair de casa”, mas que é tão real. É descobrir palavras, aprendizados, culturas, experiências, mundos que às vezes só podemos acessar através dos livros.
As palavras e a Literatura com certeza têm um poder muito forte sobre mim. Sempre digo que eu me expresso melhor escrevendo do que falando — sempre foi assim para mim, desde adolescente. As palavras me ajudam a ser quem eu sou de verdade, a expressar a minha essência. Sinto que a literatura é uma mão amiga; ela me guia pelos caminhos da vida, às vezes como válvula de escape, mas sempre como uma presença constante de aprendizado, cultura, acesso, lazer.
O que você ainda quer fazer na Literatura? Quais seus planos futuros?
CP: Eu quero escrever mais. Sempre fui muito insegura e achava que escrever e publicar um livro era um sonho distante, senão impossível. Agora que tive essa primeira experiência, quero muito escrever e publicar mais. A faculdade de Letras foi uma grande conquista para mim também, no sentido de poder estudar tudo o que eu podia com relação à Literatura, de esmiuçar e conhecer caminhos nunca imaginados até entrar na Letras.
Acho que, no momento, quero escrever, continuar trabalhando no meu segundo livro de poesia (tenho apenas alguns rascunhos e um arquivo no Word, já é um começo, né? rsrs), ler mais (tive um longo período de “ressaca”, sem conseguir ler). Gostaria muito de me aventurar pela tradução literária também, uma paixão que levo comigo, apesar de tê-la exercido pouco. Acho que o mais importante é manter a Literatura presente em minha vida, do jeito que for.
Por último, quais são os escritores que mais te influenciam? Deixe indicação, por favor, de autores que você acha que todos deveriam ler.
CP: Excelente pergunta, e difícil de responder, rs! Vou citar alguns dos meus favoritos. Na poesia, cito Ana Martins Marques, Ana Elisa Ribeiro, Patrícia Pinheiro, Carol Sanches; em inglês, Rupi Kaur, disparado minha autora contemporânea favorita, Amanda Lovelace, e. e. cummings, Emily Dickinson. O trabalho de todos eles com certeza influencia a minha escrita e minha poesia também.
Já autores de romance, minha favorita é Jane Austen (“Orgulho e Preconceito” é leitura obrigatória, ao menos uma vez na vida, rsrs!); Ian McEwan é outro romancista que admiro muito. Meu autor brasileiro favorito, também contemporâneo e cujo trabalho sempre recomendo, é o João Anzanello Carrascoza (daqueles autores que todo mundo deveria ler, com certeza). Dos mais clássicos, sou fã de Graciliano Ramos e Clarice Lispector. Com certeza está faltando alguém, mas acredito que essas são boas recomendações de leitura.
Para conhecer mais…
O livro “deve ser um buraco no teto” está disponível no site da Editora Laranja Original. Também pode ser adquirido com a própria autora, entrando em contato por suas redes sociais.
FICHA TÉCNICA
Gênero: Poesia
Páginas: 72
Formato: 130 x 200mm
ISBN: 978-65-86042-59-7
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