Tia Virgínia estreia dia 9 de novembro nos cinemas de todo o Brasil. Se você gosta de filmes com tretas na família, é perfeito pra você!
O novo longa de Fábio Meira é um pouco pessoal. A Tia Virgínia do título é inspirada em duas tias de Fábio, que ganham dedicatória ao final. Mas eu tenho certeza que todo mundo vai enxergar um pouquinho da própria família em cada um dos personagens. E, sem dúvida, todo mundo tem ou conhece uma Tia Virgínia (se não é ela).
Contudo, antes de começar, fique com a sinopse e o trailer de Tia Virgínia.
Sinopse: Vera Holtz dá vida à personagem título, uma mulher de 70 anos que nunca se casou nem teve filhos. Convencida pelas irmãs Vanda e Valquíria (vividas por Arlete Salles e Louise Cardoso), Virgínia mudou-se de cidade para cuidar da mãe idosa. O filme se desenrola no Natal, o primeiro que a família passa reunida após a morte do pai. No elenco também estão Antonio Pitanga, Vera Valdez, Amanda Lyra, Daniela Fontan e Iuri Saraiva.
Elenco primoroso
Tia Virgínia reúne três atrizes com anos de experiência. E esses anos de profissão aparecem na tela devido às performances arrasadoras que as três demonstram. Todo o elenco dá show. Dos mais experientes, como Antonio Pitanga e Vera Valdez (essa, um show à parte), aos mais novos, como Amanda Lyra, Daniela Fontan e Iuri Saraiva. Todavia, o trio de irmãs comanda o filme, e não só pelo foco da trama ser nelas, mas porque dão um show de atuação mesmo.
A gente fica até se perguntando enquanto assiste o motivo de Arlete Salles não ter ganhado mais papéis de destaque no cinema, já que está no ponto com sua Vanda. A mais velha das irmãs, ela é claramente a mais afetada pela morte do pai e a que vive no seu próprio mundo. Cada uma das irmãs, aliás, foi muito bem construída e delineada por Fábio Meira. Cada uma delas tem características muito próprias, sem ficar caricato. São personagens muito reais que poderiam estar na família de todo mundo. Aliás, elas estão na família de todo mundo porque, como disse acima, além de todo mundo conhecer uma Virgínia, é certo que também conhece uma Vanda e uma Valquíria. Mas falaremos de Valquíria mais adiante. Continuemos em Vanda e em seu dom de fingir que está tudo bem. Dom esse que Valquíria também tem, mas é mais realista que a irmã.
Tá tudo bem, tá tudo lindo
Essa característica de pintar a vida com uma camada cor de rosa e tentar manter as aparências a todo custo é algo, inclusive, muito comum às famílias tradicionais brasileiras. E esse é o verdadeiro trunfo do roteiro de Fábio Meira: conseguir traduzir com tanta semelhança na tela, sem ficar forçado, o que tantos brasileiros precisam conviver no dia a dia.
É um jantar de família. Claro, é Natal, então a tensão para que tudo esteja maravilhoso é maior ainda. Mas, geralmente, todo jantar (ou almoço) em que a família se reúne, ainda mais se depois de muito tempo sem se ver, exige uma camada fina de tinta de mentirinhas. O que isso quer dizer? Que todo mundo tenta parecer que está adorando estar reunido e que se ama muito e que não há problema nenhum, mesmo que odeie a pessoa que está sentada ao seu lado na mesa. É basicamente isso que assistimos em Tia Virgínia.
Com o trunfo de atuações fabulosas e de poder assistir de camarote, sabendo que a confusão não vai chegar até você. Apesar de, em alguns momentos, o espectador até sentir o pelo arrepiar e aquela vergonha alheia básica de tanto que a gente se sente dentro daquela casa com a família. Aliás, o fato do filme inteiro se passar dentro de uma casa dá ainda mais a sensação de tensão que a gente tanto ama assistir. Porque sim, o brasileiro adora ver uma tretinha básica, senão não correria pra janela toda vez que rola uma discussão no prédio.
Isso é que eu chamo de atuação
Voltando às atuações, além de Arlete Salles, Louise Cardoso, a Valquíria pré-citada, também está um escândalo. Nem parece, inclusive, a mesma pessoa calma e simpática que entrevistei dias depois de assistir o filme (para ver as entrevistas com as atrizes e o diretor Fábio Meira é só clicar aqui). Porque Valquíria não é fácil! Sofre do mesmo mal de Vanda de fingir que está tudo bem em sua vida – apesar do próprio marido ter escolhido passar o Natal longe dela –, mas não pensa duas vezes ates de apontar tudo que a irmã Virgínia está fazendo de errado. Ou melhor, tudo o que ela deveria fazer e não está fazendo. Mesmo Virgínia sendo a única que está 24 horas por dia cuidando da mãe doente, que nem fala mais. Criticar é fácil, não é, Valquíria? Já colocar a mão na massa…
Além disso, é elitista e preconceituosa, principalmente com Soraia, que trabalha na casa de Virgínia. Aliás, o único ponto negativo de Tia Virgínia é Amanda Lyra, intérprete de Soraia, aparecer tão pouco. Nos escassos momentos que a vimos, ela é tão presente que dá vontade de conhecê-la mais. Mas, talvez, a escolha de mostrá-la tão pouco, ou ela aparecer menos depois que a irmãs chegam seja porque a única que realmente a enxergava e dava valor a ela era Virgínia.
Atuar com pouco
Falando em mãe doente, eu disse que Vera Valdez é um show à parte, não disse? Isso porque a atriz consegue passar inúmeras emoções somente com o olhar e a forma que mantém seu corpo. Como sua personagem não fala e tem movimentos limitados – uma das cenas mais agoniantes, por exemplo, é quando Virgínia dá banho na mãe, logo no começo do filme, e o público percebe a fragilidade daquela senhora –, Vera Valdez precisa demonstrar o que se passa com aquela mulher somente com sutis expressões faciais. E ela consegue fazer isso com louvor. Difícil alguém sair da sala de cinema sem comentar de sua atuação.
Família do barulho
Apesar de terem menor espaço na trama, Daniela Fontan e Iuri Saraiva são primordiais para deixar ainda mais nítido as fragilidades dessa família. Principalmente o machismo enraizado nela. E principalmente pelo contraste da forma com que Vanda e Valquíria tratam seus filhos. Vanda é mãe de Ludmila (Daniela) e Valquíria é mãe de Bernardo (Iuri). Ambos são solteiros, mas não há um peso ou cobrança em cima do homem, só da mulher. Ludmila precisa fazer as coisas, ajudar as tias e a mãe, enquanto Bernardo é liberado. E há a relação que todos nós estamos acostumados a ver de sempre tratar o homem como uma eterna criança que precisa de cuidados. Inclusive vimos isso com o personagem de Antonio Pitanga, marido de Vanda.
Porém, ao contrário de Virgínia, que pelo simples fato de não ser casada ter sido obrigada a cuidar sozinha da mãe, como se fosse um fardo que foi obrigada a ter porque não seguiu seu papel natural de virar esposa e mãe, a sobrinha já não sente esse peso. E vive uma vida muito feliz e é segura de si. Mostrando que há uma crítica forte de Fábio de como a sociedade é estruturada. Uma crítica a como a sociedade enxerga as mulheres – até hoje, mas ainda mais anos atrás – e qual acha ser o papel que ela deve cumprir. E isso é passado de forma nem um pouco militante (aos que têm ojeriza a esse tipo de debate) e com muito humor. E um toque de drama e horror também.
Vera Holtz
“Mas, Livia, você falou de todo mundo, menos da protagonista. Cadê ela?” Pois é, meus queridos, porque Vera precisa de um tópico somente dela. Primeiro porque Virgínia é uma personagem altamente cativante, mesmo com todas as suas dores e pesos que carrega. E muito identificável (eu mesma me sinto total Virgínia). E segundo por Vera Holtz estar completamente arrebatadora no papel. Se alguém ainda duvidava da capacidade cênica de Vera Holtz, com esse filme vai tirar todas as dúvidas. Ela eleva a carga dramática que a personagem carrega ao nível máximo. Consegue ir do zero a cem com uma facilidade incrível e de forma a deixar todo mundo de boca aberta. Ela conseguiu deixar o roteiro de Fábio Meira, que já era muito bem estruturado, mais acachapante ainda.
Eu reitero muitas vezes como um ator ou atriz conseguiu fazer o espectador sentir tudo o que ele estava sentindo no momento. Mas é porque acredito que obras audiovisuais são feitas para o espectador viver junto com o personagem. Pra movimentar emoções, boas ou ruins. Pra tocar de alguma forma. E a Virgínia de Vera Holtz faz isso com o público desde o primeiro momento que ela aparece na tela até o segundo final do filme. Você vai vivenciando cada situação com Virgínia e vai, aos poucos, se transformando nela, sentindo tudo o que ela está sentindo, entendendo-a, mesmo que não concorde com ela. E isso só é possível com uma atuação fenomenal e um roteiro muito bem escrito.
Festival de Gramado
E, claro, uma direção afiada. Não à toa Tia Virgínia estreou no Festival de Gramado ao som de muitos aplausos e arrebatando seis kikitos, dentre eles Melhor Roteiro e Melhor Atriz para Vera Holz. Os outros foram Melhor Filme pelo Júri da Crítica, Melhor Direção de Arte, Melhor Desenho de Som, e Menção Honrosa do Júri para Vera Valdez.
Sem dúvida um dos melhores filmes brasileiros do ano.
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