Em seu novo filme, O Oficial e o Espião, o cineasta Roman Polanski mostra que não perdeu a mão para realizar suspenses angustiantes e dramas políticos relevantes. O longa-metragem conta a história de Alfred Dreyfus, capitão do exército francês que foi acusado no século XIX injustamente de traição decorrente de um sentimento antissemita na instituição militar francesa. Ele foi condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo. Famosa por ter abrigado uma colônia penal e cenário da história de Henri Charrière que deu origem ao livro e o “Papillon”.
Apesar da história ser sobre Dreyfus (Louis Garrel, irreconhecível), ele não é o protagonista e pouco aparece no filme. O roteiro não é sobre seu julgamento, mas sobre como o coronel Picquart da inteligência militar descobre o que pode ser uma grande injustiça contra ele em uma terrível conspiração.
Sem saída
Assim como em outros filmes que realizou, seus personagens principais costumam estar enroscados em tramas conspiratórias ou ciladas do destino e se veem muitas vezes impotentes diante de tais obstáculos. Em O Oficial e o Espião, seus dois personagens encontram-se assim.
Dreyfus encontra-se preso injustamente após ter sofrido muita perseguição interna por ser o único judeu presente no exército francês. Picquart encontra-se cadencialmente perseguido a cada nova descoberta em sua investigação em sua busca pela verdade. Polanski consegue nos apresentar um verdadeiro clima claustrofóbico que remete aos seus melhores filmes no estilo como “Busca frenética” (1988) e “O escritor fantasma” (2010). Para quem gosta de um bom suspense, com conteúdo relevante e ainda baseado em fatos reais, esse filme é extremamente indicado.
Não existe heroísmo
Nas mãos de qualquer realizador menos competente esta história teria o potencial para se tornar uma verdadeira aventura-suspense com ares de heroísmo barato em seu personagem principal. O coronel Picquart (magistralmente interpretado por Jean Dujardin, oscarizado por “O Artista”) não é e nem se julga um herói. Ele apenas segue seus princípios, que são evidentes em diversas cenas em que nunca contesta e nem confronta diretamente nenhum conspirador superior a ele. Segue fielmente a rigidez e hierarquia militar, pois em nenhum momento desacredita da instituição, mas sim de quem está em seu comando.
Além disso, o personagem do coronel não é uma pessoa eximida de defeitos. O fato do roteiro evidenciar seu caso extraconjugal com a esposa de um ministro do estado não tem a intenção de julgar o personagem, mas de apresenta-lo como uma pessoa comum que apenas está seguindo sua convicção em busca da justiça, mas que isso não o exime de cometer erros em sua vida particular. Para Polanski não existe heroísmo.
Ele inclusive ironiza as convenções de heroísmo e honra da época ao apresentar de forma crítica tópicos como casamento, duelo de honra e patriotismo. Nenhum personagem é totalmente bom, mas atentar contra a dignidade humana é o erro mais imperdoável possível. Assim nos mostra Polanski ao apresentar os horrores da conspiração no caso Dreyfus.
Antissemitismo
Em cena de flashback, o coronel Picquart aparece como professor de Dreyfus e admite para ele não ter simpatia por sua origem religiosa, mas que não usaria isto como motivo para prejudicá-lo. Nenhum outro personagem pensa dessa forma. Todos que participam da conspiração acreditam que seu antissemitismo é motivo o suficiente para perseguir Dreyfus.
Polanski, que é um judeu sobrevivente do holocausto, frequentemente aborda a questão do antissemitismo em seus filmes. Além da obviedade de “O Pianista”, que o apresenta como tema principal, filmes como “Oliver Twist” (2006) e “A dança dos vampiros” (1967). Com a crescente onda de antissemitismo e intolerância religiosa que vem aumentando no mundo, este filme mostra-se totalmente oportuno e atual em seu tema.
Corrupção corporativista
Em 1969 o lendário diretor Costa-Gravas realizou o filme “Z”, cujo thriller político remetia a situação na Grécia, mas era ambientado na França. Na trama há uma investigação de uma conspiração militar tal qual em O Oficial e o Espião. Em determinada parte do filme, o juiz que conduz uma investigação decide chamar para interrogatório vários generais. Ao fim de um deles, um repórter indaga o general: “É vítima de um erro judicial como Dreyfus?”, que responde veementemente: “Dreyfus era culpado!”
Essa fala não foi escrita ao acaso. Expressa claramente o clima de corrupção corporativista pertinente aos conspiradores que desejam pela permanência de Dreyfus preso. Assim como Costa-Gravas, Polanski também apresenta sua indignação em casos quando o poder do estado é implacável para destruir a vida das pessoas para defender seus próprios interesses.
O título original do filme remete a carta escrita por Émile Zola intitulada “J’accuse!” (Eu acuso!) e resume melhor que qualquer sinopse o sentimento de denúncia de uma injustiça que é apresentada de forma brilhante e que pode de forma atemporal representar todas as injustiças da história da humanidade.