Levante estreia nas salas de cinema brasileiras nesta quinta-feira (22). É o primeiro longa de Lillah Halla. É, também, o primeiro filme de muitas das atrizes e atores do elenco. Levante é um filme que batalhou para sair, já que começou a produção em 2014 e só ano passado, 2023, foi finalizado. Isso porque, além de todo o trabalho necessário para um filme ser realizado, Levante também enfrentou diversos embates na vida. Como dificuldade para levantar patrocínio devido ao seu tema. Por causa disso, houve necessidade de investimento internacional, principalmente de países menos moralistas do que o Brasil. É, inclusive, o moralismo existente no Brasil que o filme discute e critica.
Levante é sobre Sofia (Ayomi Domenica), uma jovem de 17 anos que faz parte de um time de vôlei. Um dos destaques do time, ela está prestes a conseguir uma vaga em um time internacional. Contudo, Sofia descobre que está grávida e percebe que seu sonho pode desmoronar. Ela não quer deixar isso acontecer, todavia, exatamente por causa dessa decisão, começa a sofrer ataques da comunidade que a rodeia.
Antes de tudo, fique com o trailer:
É sobre o coletivo
Levante, muito mais do que um filme sobre aborto, é um filme sobre família. Sobre a importância da família. E não estamos falando aqui sobre a família tradicional brasileira, mas sobre a família que construímos. O time em que Sofia joga é uma família. Formado por mulheres lésbicas e pessoas trans, o roteiro deixa claro que esse time sofre preconceito desde sua formação. A treinadora Sol, em uma ótima atuação de Grace Passô, atua como mãe para todas essas pessoas, protegendo-as, como se espera de um familiar. Levante deixa claro que uma pessoa só passa por problemas e alcança o sucesso em coletividade, em união.
Além da família feita por amizades, é interessante ver também as famílias consanguíneas das jogadoras e jogadores apoiando-os. É muito comum assistir a obras audiovisuais em que pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIAP+ são excluídas por suas famílias. Portanto, ter uma obra onde a família acolhe os seus é bonito e original. E acredito ser bastante reconfortante para pessoas pertencentes à comunidade que assistem a esse filme. Além de, claro, ser importante demais essas pessoas se verem na tela sendo retratadas de maneira tão genuína e positiva.
Atuações
Segundo a diretora Lillah Halla e o próprio elenco, apesar de ter um roteiro, houve liberdade para criações e improvisações. Em cenas mais sérias e impactantes isso não foi possível, como em uma das cenas finais, que houve, como disse a diretora em coletiva de imprensa, uma “coreografia” exata para tudo sair como devia. Porém, principalmente quando as jogadoras brincavam entre si, em suas conversas, houve muito improviso. Isso fica explícito na maneira natural em que ocorrem os diálogos e a interação entre todes. Ou seja, apesar de ser um tema pesado, tudo fica mais leve principalmente por causa da conexão nítida entre jogadoras e jogadores.
É um tipo de direção e de atuação que deixa muito espaço para o natural, o que cria uma empatia muito grande entre espectador e personagens. Não à toa, devido a uma direção ousada, Lillah Halla recebeu o prêmio de melhor direção no Festival do Rio de 2023.
Ayomi Domenica dá um show no papel de Sofia. É um papel que requer uma carga dramática muito grande e demanda bastante energia. A personagem passa por momentos muito delicados, e uma atriz tão nova quanto Ayomi por vezes pode não conseguir levar esse. Ayomi, porém, entrega e emociona.
Roteiro
O roteiro tem uma história muito interessante e transcorre de forma fluida, como quase todos os aspectos no filme. Contudo, há uma percepção de que o enredo demora um pouco para engrenar. Isso se dá porque o filme fica muito tempo na introdução, apresentando personagens e suas vidas, e quando o conflito finalmente acontece, é resolvido de forma muito rápida. Tal fato não chega a atrapalhar o entendimento do filme ou a deixa-lo monótono. Todavia, deixa uma sensação de atropelamento no desfecho. Teria sido mais interessante se a introdução fosse mais curta e o desfecho demorasse um pouco mais para acontecer. Deixa no espectador uma sensação de “mas já?”, já que quando tudo começa a desenrolar, o filme acaba.
Apesar disso, tem cenas lindíssimas e muito originais. Há diálogos que ocorrem entre Sofia e seu pai, e até entre personagens que nem estão no centro da trama que são muito fortes e necessários. Levante é um filme corajoso, que não tem medo de ir exatamente onde há o problema e, mais do que isso, escancara o problema. Deixa exposto pra se transformar em debate e em ponto de reflexão. Impossível assisti-lo sem querer falar sobre ele com alguém, sem querer debater mais e mais sobre o assunto.
Ficha Técnica
LEVANTE
Brasil, França, Uruguai | 2023 | 99min. | Drama
Direção: Lillah Halla
Roteiro: María Elena Morán e Lillah Halla
Produção: Clarissa Guarilha, Rafaella Costa, Louise Bellicaud, Claire Charles-Gervais
Coprodução: Santiago López, Diego Robino, Hernán Musaluppi
Empresas produtoras: Arissas (Brasil), Manjericão Filmes (Brasil), In Vivo Films (França), Cimarrón Cine (Uruguai)
Empresas coprodutoras: Vitrine Filmes, Canal Brasil, Telecine e RioFilme
Distribuição: Lira Filmes e Vitrine Filme
POR FIM, LEIA MAIS:
Crítica | ‘Pedágio’ tem atuações e direção impecáveis
Crítica ‘Tia Virgínia’ | Treta familiar em um filme excelente
‘Tudo me leva até você’ é romance sáfico com humor e mistério