Segundo o perfil do Instagram de Lícia Mayra, Lícia é escritora, piauiense e aquariana. Contudo, além disso, Lícia também é mestre das palavras. E isso ela demonstra em Vingança é um prato que se come com Chandon, publicado pela editora Urutau. “Vingança” é o segundo livro solo da autora, que está presente em diversas antologias e publicou um conto (Rogai por nós) em e-book anteriormente. Dessa vez, sua coletânea de contos sai em uma elegante versão física e uma capa que antecede seu conteúdo. Em suas 88 páginas, o leitor encontrará contos que explora, de forma original, a sexualidade feminina.
Como disse de forma certeira Carla Guerson, autora da orelha do livro, “A sexualidade feminina se reveste de tabus e estereótipos. Entre a culpa e o prazer, nos colocamos aos olhares da sociedade, duvidosas do nosso desejo. Somos levadas a acreditar que podemos ser apenas uma coisa, que não há espaço para complexidades e dubiedades, que é preciso escolher um lado. Da puta à santa, as mulheres são julgadas e classificadas.” Lícia Mayra faz questão de se rebelar contra os estereótipos da sociedade e escrever contos com uma diversidade imensa de mulheres, corpos, e mais importante ainda, desejos.
Prazer, mulheres
Se precisasse definir Vingança é um prato que se come com Chandon em uma palavra, seria “corajoso”. Adicionaria, além disso, “ousado”. A primeira razão é por ser um livro de uma mulher escrevendo escancaradamente sobre sexo. Sem se esconder. Sem florear. Com todas as palavras chulas que se espera quando um homem fala sobre sexo, por exemplo, mas a uma mulher lhe é negado. Isso fica muito explícito no conto “Encontro com revisor”. Ao terminar esse conto, dei uma sonora gargalhada. E um sorriso irônico de canto. Aliás, essa é uma reação que se tem após a leitura de diversos textos contidos no livro. Pelo menos nas mulheres.
É mesmo raro encontrarmos obras de mulheres sobre o tema escritas de forma tão debochada e livre. É isso, é um livro livre, talvez eu deva mudar aquela primeira palavrinha lá no início desse parágrafo. E isso traz frescor e alegria a nós, mulheres, porque sabemos que nós, nessa sociedade patriarcal, somos tudo, menos livres. Quer dizer, nós tentamos muito ser livres, mas os tabus e as regras e o machismo estão sempre tentando cortar nossas asas. O livro de Lícia Mayra mostra que agora não é mais tão fácil assim nos abafar.
Personagens reais
As personagens de Lícia não têm pudor. Nem nos seus atos, nem em suas palavras. E isso é lindo. É leve. É encorajador. São personagens que podem satisfazer suas vontades e seus desejos da forma que querem. Podem sofrer no meio do caminho, podem errar. Podem até não gostar, mas elas tentam. Elas se expressam. Elas são. E isso tudo é viver. Isso tudo é ser em sua máxima essência. Até mesmo poder contar sobre um assédio que sofreu – o que, infelizmente, é muito comum na vida das mulheres – é viver, porque até isso nos é negado e somos vistas como culpadas. Lícia deixa suas personagens serem reais, verdadeiras, as deixa berrar para o mundo quem são. E isso dá força a qualquer mulher que está lendo para fazer o mesmo.
A escrita
Apesar da pouca idade, a voz narrativa de Lícia Mayra se mostra experiente. Não apenas por saber narrar atos de quem já viveu um bocado, mas também pela forma com que usa as palavras. Ela escreve sem medo. Em uma época em que somos cancelados por tudo, as frases que ela coloca na boca de suas personagens são corajosíssimas. As atitudes que elas têm também. O que não quer dizer que Lícia seja irresponsável. Muito pelo contrário.
Lícia sabe muito bem o que está fazendo e o motivo de cada ação. Tudo que ela escreve tem um propósito e serve para demonstrar algo para quem está lendo. Seja gerar identificação, nojo, carinho ou raiva, ela vai no ponto certo e constrói uma história como uma arquiteta. Nada fica fora do lugar, apesar de algumas vezes, no início do texto, gerar certa confusão. No fim, tudo se encaixa. E gera reação. Difícil sair de algum dos textos sem alguma sensação forte.
Essa capacidade demover internamente tem a ver com ser real. Ter total conhecimento do ser humano e saber expressá-lo de forma natural. Lícia ousa, choca, desconstrói, pisa no calo do pé de propósito, pra fazer o leitor perceber algo que pode até estar escancarado, mas até então não enxergou. Ou seja, a autora mostra verdades naturalmente. E, além disso, com uma escrita maestral. É livro pra se engolir com Chandon. Mas nem precisaria, porque ele desce facinho, facinho.
Ficha Técnica
Vingança é um prato que se come com Chandon
Autora: Lícia Mayra
Valor: R$48
Editora: Urutau
Gênero: Contos
Páginas: 88
Ano de edição: 2023
Edição: 1ª
Onde comprar: No site da editora Urutau
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