Se imagine no meio do mar, em uma canoa ou tábua (sem referência a Titanic aqui, imagina!), os raios de sol esquentando seu rosto. Você não está á deriva, só está relaxando no meio de um mar cristalino, com terra firma a meio metro de você, uma imensa e cativante paz à sua espera. Imaginou? Pois isso é tudo que não acontece em A filha do pescador, apesar do cenário ser exatamente esse: uma ilha paradisíaca no Caribe colombiano.
Todavia, apesar dos personagens de La estrategia del mero (no original) não terem um segundo de sossego durante os 79 minutos de filme, talvez seja essa a sensação que te preencha ao final da produção. Isso porque o primeiro longa-metragem de Edgar De Luque Jácome, conhecido por seus curtas-metragens, é um dos mais bonitos e originais filmes que você vai ver nos últimos tempos. E uma obra de arte dessas não tem como não trazer uma sensação positiva, mesmo tratando de um tema tão conturbado.
Sinopse
Vencedor do Prêmio La Silla, da Associação Dominicana de Profissionais da Indústria do Cinema, A filha do pescador mostra a vida de Samuel, pescador que mora sozinho numa ilha isolada em algum lugar do Caribe colombiano. Exímio mergulhador, ele vive da quase extinta prática da pesca submarina em mergulho livre. Um dia, sua filha Priscila, que ele não via há 15 anos, bate à sua porta. Porém, quando foi embora, ainda não havia feito a transição para uma mulher. Precisou voltar apenas por estar em fuga.
Seus mundos não poderiam ser mais distantes. Samuel não consegue aceitar Priscila, e ela não consegue perdoá-lo por eventos do passado. Mas acontecimentos dramáticos acabam obrigando os dois a se reaproximar. Com eles, mergulhamos nas águas cristalinas do Mar do Caribe, mas também em uma bela história de relações familiares, diversidade, aceitação e amor.
De fato, é uma bela história. Porém, não sem conflitos, principalmente por conta do choque de gerações e de um preconceito imenso, não apenas de Samuel, mas de toda a comunidade que vive na ilha. Principalmente dos mais velhos.
Questões abordadas
A filha do pescador trata da questão de identidade de gênero de forma bastante original. Edgar De Luque consegue colocar o tema em uma situação cotidiana, apesar de totalmente desconhecida para a maioria dos espectadores, já que se trata de uma realidade – a da vida dos pescadores – muito nichada. Por causa disso, ao contrário de muitas produções de Hollywood que vimos por aí, o enredo não fica com tom professoral. O foco acaba sendo a relação desse pai com essa filha, que sabemos ter uma nascente do conflito no fato de Priscila ser uma mulher trans. Mas não é só isso.
O roteiro trabalha a reinserção de Priscila na vida de Samuel de uma maneira muito natural, delicada e sensível. Sem contar que mostra, também, o lado de Priscila em relação ao pai, toda sua luta para aceita-lo também. Além disso, trabalha os personagens com seus defeitos e qualidades. Não endeusa ninguém nem estereotipa.
Atuações
O filme também não seria o que é sem a atuação de todo o elenco. Todavia, não há como não ressaltar as performances de Nathalia Rincón e Roamir Pineda. Os dois artistas se entregam totalmente, sem nenhuma vaidade, à história do filme. É possível ver ambos se despirem de todas as camadas de proteção para irem revelando, aos poucos, as fragilidades de cada um. Tamanha entrega aos personagens é um dos principais motivos para o espectador se ver tão envolvido com suas histórias e conseguir entender até um pai preconceituoso.
Ademais, tem uma fotografia belíssima, com planos close-up muito bem-feitos, quase entrando na cabeça dos personagens, quase que como inserindo o espectador à força na mente de cada um deles. E há, também, movimentações de câmera muito originais, que deixam o filme ainda mais bonito esteticamente também. Além do filme inteiro com uma cor lavada, que permite com que o espectador se sinta fazendo parte daquele local e sinta, talvez, as mesmas sensações físicas que as personagens estão sentindo, já que as cores nos ajudam a sentir as imagens no corpo.
Para finalizar, é um filme que diz muito falando pouco. E em momento nenhum sente-se falta de mais diálogos. O diretor fez um belíssimo trabalho em seu primeiro longa-metragem e merece todos os prêmios que recebeu e ainda irá receber. Ou seja, A filha do pescador é uma verdadeira obra-prima.
Por fim, fique com o trailer do filme, que estreou no dia 18 de julho no Brasil:
Ficha Técnica
A filha do pescador (La estratégia del mero)
Colômbia | 2023 | 1h20min. | Drama
Direção e Roteiro: Edgar De Luque Jácome
Elenco: Nathalia Rincón, Roamir Pineda, Modesto Lacén.
Produção: Belle Films e Séptima Films Production
Coprodução: Larimar Films, Kromaki e Bubbles Project
Em associação com: Reaktor
Direção de Fotografia: Rafael González
Direção de Arte: Miguel Llorca, Miguel Salgado
Design de Som e Mixagem: Ricardo Cutz, A3PS
Trilha Original: Pedro Sodré, Rudah Guedes
Edição: Karen Akerman, EDT., Ricardo Pretti, Nicolás Herrán
Direção de Produção: Mariangela González C.
1º Assistente de Direção: Luis Alejandro Rodríguez
Produção: Annabelle Mullen Pacheco, Jorge Andrés Botero, Elsa Turull de Alma, Rodrigo Letier, Tatiana Leite.