Nesta quinta-feira (23/01), estreia o aguardado “Conclave”. O filme tem sua narrativa centrada em um dos rituais mais antigos e misteriosos do mundo: O conclave. Instrumento utilizado, desde o século XIII, pela Igreja Católica Apostólica Romana para a escolha do Papa, o mais importante líder da igreja no mundo.
Ambientado em um cenário fictício, onde um Papa, aparentemente progressista, falece de um ataque cardíaco, a história é narrada a partir do ponto de vista do cardeal-decano Thomas Lawrence (Ralph Fiennes), que deverá coordenar o conclave. O roteiro, que venceu o Globo de Ouro, é baseado no livro de Robert Harris.
Os mistérios do conclave
Seu procedimento é bem conhecido. Embora compreenda diversas regras, liturgias e preparações, podemos sintetizá-lo: um grupo de cardeais eleitores se reúnem, debatem e votam no próximo Papa. A eleição apenas termina, quando um dos cardeais elegíveis obtém, pelo menos, dois terços do total de votos.
A história utiliza o mote do mistério sobre como se escolhe um Papa, para produzir uma potente reflexão sobre responsabilidade e deveres no papel da Igreja Católica no mundo atual. Qual o limite entre (se existe algum) entre as intenções pessoais de cada cardeal votante e seu compromisso com a justiça e o bem-estar da igreja. E esse bem-estar está focado mais na instituição ou em seus seguidores ao redor do mundo?
Política e intrigas no conclave
A trama inicia-se com uma disputa acirrada entre quatro cardeais simbolizados, em especial, por suas visões sobre como deve ser o papel da igreja no futuro. O cardeal Bellini (Stanley Tucci) é um modesto apoiador e seguidor das ideias liberais do falecido Papa. O cardeal Tedesco (Sergio Castellitto) é seu oposto, conservador e defensor do retorno de antigas tradições. O cardeal Adeyemi (Lucian Msamati) que pode tornar-se o primeiro Papa do continente africano e que também carrega um conservadorismo em suas ideias. E, o cardeal Tremblay (John Lithgow), o mais misterioso dos cardeais e a primeira pessoa que tomou conhecimento da morte do Papa.
Lawrence encontra-se intrigado pelo fato de ter sido ele, o escolhido pelo Papa, para conduzir este conclave. A atuação de Fiennes é primorosa, nesse sentido. Seu personagem tem um esboço na mente sobre como o conclave deverá ser direcionado, para que todo o processo seja o mais justo possível. Ou seja, sem nenhum tipo de interferência externa e, nem, interna. Porém, à medida que a votação vai acontecendo, ele percebe que existem muitos interesses ocultos, muito mais do que ele poderia supor.
Referências à vida real
O filme impressiona pela riqueza de detalhes das tradições e métodos de preparação e realização do conclave. O alto grau de realismo nos coloca quase como um espectador infiltrado. O que é, aliás, uma das grandes preocupações da segurança da votação. Visto que as tecnologias para observação estão cada vez mais avançadas. Até o procedimento de nomeação secreta de cardeais (“in pectore”) é citada, quando surge, inesperadamente, o cardeal Benitez (Carlos Diehz), desconhecido por todos.
Alguns personagens parecem fazer também referências à vida real. O falecido Papa, que está sempre onipresente na trama do filme, parece remeter ao Papa Francisco, por simbolizar uma vontade de expiar-se de um passado conturbado através de ações progressistas (embora lentamente). Enquanto o cardeal Tedesco parece remeter ao falecido Papa emérito Bento XVI, por suas ideias conservadoras, como o desejo pela volta da liturgia em latim, e talvez, pelo seu nome. Tedesco é a palavra italiana para alemão. O filme seria então uma reflexão sobre os futuros rumos da Igreja Católica.
Quem quer ser papa?
O papado é considerado uma bênção por todos os cardeais elegíveis. Mas, algum desses realmente quer ser eleito? O tema já foi abordado em outros filmes, seja pela ficção ou pela dramatização da realidade. Desde o clássico “As sandálias do pescador” (1968), onde um preso político é eleito papa, a comédia “Habemus papam” (2011), onde o Papa recém eleito tem uma crise de consciência, e a “Dois papas” (2019), recriação da renúncia de Bento XVI e eleição do atual Papa Francisco.
Na trama, alguns dos cardeais tentam colocar seus pés no chão, ao pensar sobre tamanha responsabilidade ao escolherem em quem irão votar. Outros pensam nas possibilidades que têm como candidatos. O quanto de suas decisões e motivações são guiados pela fé e condução do Espírito Santo? Ou por suas próprias ambições ou precaução com o futuro da igreja? O conclave é um embate político? Uma batalha?
Atuações
Durante as cenas de preparação para o isolamento dos cardeais, tudo vai sendo fechado e trancado. As imagens são produzidas de tal forma que sentimos aquele lugar e aquelas circunstâncias como uma prisão. Uma reclusão forçada que reflete em como cada cardeal projeta sobre suas ações e suas próprias percepções sobre o que seria o ideal para a igreja. Ou seja, cada um atua dentro de sua própria interpretação do que é o essencial na fé católica.
A presença sutil, quase invisível, mas potente da irmã Agnes (Isabella Rossellini) mostra que a renúncia em nome da fé pode apresentar diversas camadas, e servem a propósitos diferentes, dentro de uma instituição enraizada e milenar. Ela é a líder das freiras, responsáveis por alimentar e servir os cardeais. Apesar de não ser muito notada, ou ter uma função importante no conclave, ela não é alheia ao que se passa debaixo dos panos.
Mistério e reflexão
Alguns setores da Igreja Católica não ficaram satisfeitos com o filme. O Bispo Robert Barron, dos EUA, apelou para que os católicos não assistam ao filme. Por outro lado, alguns elogiaram bastante o filme, por mostrar de forma bem sincera o que passa pela mente de tais pessoas encarregadas de uma tarefa tão antiga, quanto única e crucial.
Por fim, é relevante apontar como um filme que começa como uma aparente trama de mistério se revela uma obra reflexiva sobre a importância de questionamento dentro de instituições tão influentes e responsáveis pela vida de milhares de pessoas. Coincidentemente, o presidente Trump acaba de ser eleito nos EUA, em meio a muitas medidas retrógradas e conservadoras que podem afetar a vida de milhares. As instituições de poder no mundo estão em constante risco, sob interesses escusos de pessoas com tanto poder de escolha.
Onde assistir
O filme tem direção de Edward Berger, que dirigiu a refilmagem de “Nada de novo no front”. Já venceu o Globo de Ouro de melhor roteiro e já está presente nos principais prêmios da temporada, inclusive com oito indicações ao Oscar.
A distribuição é da Diamond Films. Desse modo, consulte a rede de cinemas de sua cidade para encontrar sessões disponíveis.