Dirigido por Carla Camurati, Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, pode até ter envelhecido em sua estética, mas continua sendo uma sátira eficiente do nosso país
No meu ensino médio, havia um professor de História que lecionava como um verdadeiro bardo da Idade Média: narrava os acontecimentos como se tivessem ocorrido ontem, ali na esquina, com personagens que pareciam parentes próximos. Com leveza e humor, transformava datas e fatos em histórias vivas. Uma de suas aulas mais memoráveis foi sobre Dom João VI e sua fuga para o Brasil após a ameaça de Napoleão Bonaparte. Ele ressaltava os absurdos da história com um caos cômico que lembrava Monty Python e desenhos clássicos dos Looney Tunes. O exagero era proposital, e para um grupo de adolescentes, era justamente o que tornava inesquecível.
Ao rever Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, me lembrei dessas aulas. Ri ao perceber que muito do humor que via nas histórias de meu professor, está presente no filme. Porém, após o sucesso de programas nacionais como Pânico na TV (2003, Emílio Surita) e o crescimento de produtoras de comédia como Porta dos Fundos (2012, Fábio Porchat), talvez a produção de Camurati tenha perdido impacto para o público atual. Hoje, alguns trechos soam datados, até “cringe”. Mas, em 1995, a ousadia de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil foi tamanha que ajudou a salvar o cinema nacional.
Lançado em um momento de crise, logo após o Governo Collor extinguir a Embrafilme, o filme foi um marco da retomada do cinema brasileiro, sendo o primeiro produzido com apoio da Petrobras. Tornando-se sucesso de público e crítica, oferecendo risos, reflexões e encantamento para quem entendesse um ponto essencial: Camurati não fez um filme histórico, mas sim uma sátira política e social sobre o Brasil.

Marco Nanini em cena de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil- Divulgação Palavra Asessoria
Para os historiadores, Carlota Joaquina, Princesa do Brazil é repleto de anacronismos e não pode ser considerado fiel. Mas essa nunca foi a intenção. Neste conto de fadas às avessas, vemos humor absurdo, jargões afiadas, acontecimentos bizarros e lúdicos, como os pelos crescendo no rosto de Marieta Severo, e situações cômicas, como a fuga de Portugal ao som da 25ª Sinfonia de Mozart. Tudo isso é narrado por um eu-lírico estrangeiro e distante, que, seguindo o ditado “quem conta um conto, aumenta um ponto”, acredita piamente em cada bizarrice, sendo a prova maior disso o próprio nome da produção, afinal, Brasil é com S, enquanto para os estrangeiros é com Z.
A produção apresenta marcas estéticas notáveis. A paleta de cores varia conforme o cenário: tons quentes para a Espanha, pastéis para Portugal, frios para a Escócia e uma mistura vibrante no Brasil. A edição é ágil, o design de som tem um toque onírico, a trilha mistura Mozart e Zequinha de Abreu, o roteiro continua surpreendentemente atual, as atuações são surpreendentes em que se propões, principalmente Marieta Severo e Marco Nanini.

Marco Nanini e Ludmila Dayer em cena de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil- Divulgação Palavra Asessoria
Carlota Joaquina, Princesa do Brazil foi decisivo para que o cinema nacional existisse como conhecemos hoje. Seu humor pode estar batido, mas, para a época, foi algo único e revolucionário, em um período que o povo brasileiro precisava rir mais do que tudo, e apesar das críticas, sua narrativa ainda encontra paralelos no Brasil contemporâneo: a visão de alguns estrangeiros sobre o país dificilmente estaria distante da história contada, e, tristemente, “Dom Joões” ainda se repetem na política.
No caótico Brasil de 2025, resta-nos rir do passado e reconhecer o quanto ele ainda está perto, para, quem sabe, aprender com esses absurdos e seguir novos caminhos como brasileiros, sendo esta a mensagem mais importante que a produção pode atualmente nos passar.
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