O Vivente Andante conversou com Ana Camila Esteves, idealizadora e curadora da Mostra de Cinemas Africanos e o projeto de Cine África. Ela desenvolve pesquisa sobre as narrativas da vida cotidiana nos cinemas africanos contemporâneos e falou sobre a diáspora e uma nova geração de cineastas africanos em busca de noções de identidade. Em seguida, o cinema contemporâneo africano e algumas de suas especificidades como a diversidade de estilos, as diretoras e seu atual crescimento.
“O continente africano, claro, tem mais de cinquenta países, mas ao mesmo tempo, não são todos os países que tem uma indústria consolidada. Eu também não gosto muito dessa divisão da áfrica, que é uma divisão que não é africana. É uma divisão de estados-nação, que foi fruto de uma questão pós-segunda guerra, Conferência de Berlim. Que território é esse que estão chamando de Sudão? Que território é esse que estão chamando de Nigéria?”, indaga Ana.
Variedade
A jornalista coloca que foi por razões como essas que escolheu colocar o nome da mostra no plural, cinemas africanos, por considerar a diversidade do continente, vários países que foram divididos de forma violenta e compartilham as experiências da colonização. Hoje, a variedade de estéticas, gêneros e formatos dos cinemas africanos é impressionante, mesmo perante a invisibilidade com relação ao resto do mundo. Ou seja, a Mostra de Cinemas Africanos procura exibir variedade dentro do que está sendo feito. Por exemplo, há muitas mulheres produzindo e, aos poucos, alcançando repercussão em festivais ao redor do mundo como Cannes, Toronto, Veneza. Certamente, são obras que podem ser vistas no Cine África.
Questionamos Ana Camila sobre a questão diaspórica. “É muito difícil, eu diria impossível, falar de cinemas africanos sem falar da diáspora, né? Principalmente essa nova geração de realizadores africanos que já nascem na diáspora, principalmente Europa e Estados Unidos, que fazem filmes sobre seus países de origem e de suas famílias. E buscam também uma certa noção de identidade, enfim, essas identidades híbridas e todas as questões que estão envolvidas nesses deslocamentos”, respondeu ela.
Afinal, os cinemas africanos começaram em 1960, ou seja, ainda são “jovens”. Por isso, o Cine África traz filmes de pessoas africanas que estão ao redor mundo, não só no continente africano. Ana Camila tem como critério a qualidade das obras, não simplesmente por serem africanas, porém sim que instiguem os espectadores a conhecerem melhor esses universos.
Netflix e África
Aliás, importante ressaltar que o fatiamento da África entre vários países da Europa e o trauma que o continente sofreu fazem toda a diferença na forma como esses cinemas vem sendo feitos. Atualmente,por exemplo, existe Nollywood, como é conhecido o pólo produtor da Nigéria. Porém, há novas produções em plataformas como a Netflix.
Sobre a Netflix e os serviços de streaming, ela traz preocupação e esperança. Inclusive, fala sobre seu projeto de um streaming focado em cinemas africanos. “Considerando que tenho todo esse repertório de filmes africanos que vejo, centenas de filmes, eu sinto que o que a Netflix está fazendo são produções que ela faria normalmente, porém com pessoas africanas. Não tem na verdade um pensamento ali entorno do que seriam essas narrativas africanas de fato, né?”, declara Ana Camila.
Ela não coloca essa relação como um problema em si, mas sim a falta de preocupação com narrativas verdadeiramente africanas. Apesar da complexidade da conceituação. Ela vê as séries que foram lançadas como africanas como fórmulas estadunidenses já vistas diversas vezes anteriormente. “Ao mesmo tempo a Netflix é uma empresa imensa, tem esse alcance global, que eu acho que é fundamental para que esses cinemas africanos cresçam em termo de mercado, mas eu acho que está sendo feito de uma forma equivocado por hora”, diz Ana Camila, que é jornalista, produtora cultural e pesquisadora.
Streaming
Na previsão de Ana Camila, mestre e doutoranda em comunicação pela UFBA, as plataformas de streaming podem ser uma solução, ampliando para além dos públicos de festivais e mostras. “Eu tenho um projeto de plataforma streaming para filmes africanos que está em andamento com uns parceiros na França. A gente está tentando fazer isso dar certo aqui no Brasil também. Acredito muito no streaming, mas acho que não pode competir com os festivais”, afirma Ana.
Além disso, a entrevistada é curadora colaboradora do Africa in Motion Film Festival (Escócia) e colaboradora do site Por Dentro da África, onde escreve sobre cinemas africanos idealizadora e curadora da Mostra de Cinemas Africanos e o Cine África.
Afinal, confira a conversa completa e, mais abaixo, o programa da Mostra:
Programação Cine África – Nova Temporada
Setembro
10/09 (qui) – “Fronteiras”, de Apolline Traoré (Burkina Faso, 2017) – Drama – 91 min;
17/09 (qui) – “O Enredo de Aristóteles”, de Jean-Pierre Bekolo (Camarões, 1996) – Comédia – 71 min;
24/09 (qui) – “aKasha”, de hajooj kuka (Sudão, 2019) – Comédia – 78 min;
Outubro
01/10 (qui) – “Lua Nova”, de Philippa Ndisi-Hermann (Quênia, 2019) – Documentário – 70 min;
02/10 (sex), às 17h – Cinema da Vela – com o tema Cinemas africanos em contextos digitais. Participantes: Ana Camila Esteves (Brasil), Marina Gonzaga (Brasil/França) e Jorge Cohen (Angola).
08/10 (qui) – “O Fantasma e a Casa da Verdade”, de Akin Omotoso (Nigéria, 2019) – Drama – 107 min;
15/10 (qui) – “Rosas Venenosas”, de Fawzi Saleh (Egito, 2018) – Drama – 70 min;
22/10 (qui) – “Madame Brouette”, de Moussa Sene Absa (Senegal, 2002) – Drama – 101 min;
29/10 (qui) – “Beyond Nollywood – Sofrendo e Sorrindo” (Nigéria) – Programa de curtas – 99 min;
Novembro
05/11 (qui) – “Nada de errado”, de vários diretores (Suíça, 2019) – Documentário – 49 min;
12/11 (qui) – “O Preço do Amor”, de Hermon Hailay (Etiópia, 2015) – Drama – 99 min;
19/11 (qui) – “Quartiers Lointains – Afrofuturismo” (diáspora francesa) – Programa de curtas – 100 min.
26/11 (qui) – “Supa Modo”, de Likarion Wainaina (Quênia, 2018) – Drama – 74 min.
Cinema da Vela (02/10 às 17h)
Tema: Cinemas africanos em contextos digitais. Participantes: Ana Camila Esteves (Brasil), Marina Gonzaga (Brasil/França) e Jorge Cohen (Angola). No canal do Cinesesc no YouTube: https://www.youtube.com/
Programas de curtas
“Beyond Nollywood – Sofrendo e Sorrindo” (Nigéria) – Programa de curtas;
“Quartiers Lointains – Afrofuturismo” (diáspora francesa) – Programa de curtas.
Por fim, tem maiores informações no site: mostradecinemasafricanos.com