“Podemos ser críticos a uma revolução e mesmo assim continuar fiéis a ela?”. Masoumeh Ebtekar, atual vice-presidente do ministério da família e da mulher no Irã diz essa frase em determinada parte do filme O Rei Nu. Ela está comentando sobre a revolução iraniana ocorrida em 1979 que depôs o xá no Irã. Dentre os acontecimentos desta revolução, houve a invasão da embaixada americana em Teerã, na qual ela atuou como porta-voz, por seu conhecimento mais profundo da língua inglesa.
O filme do diretor suíço Andreas Hoessli analisa dois países (Irã e Polônia) que passavam por momentos de indignação e protestos que levaram a uma revolução praticamente na mesma época. Porém, o documentário tem uma narrativa que foge do convencional.
Sua intenção não é narrar fatos, mas analisá-los a partir do ponto de vista das pessoas envolvidas. Pode-se dizer que o filme de Andreas é um ensaio sobre as revoluções e como elas podem passar de um sonho para um pesadelo tão rapidamente, sem que se perceba ou entenda o que aconteceu.
Personagens comuns
Personagens comuns são os norteadores do documentário, e não personalidades políticas ou líderes ou personalidades públicas. Pessoas que viveram os bastidores ou estiveram diretamente ligados aos acontecimentos apresentados nos dois países. Certamente, o filme foca mais nos sentimentos e memórias das pessoas entrevistadas. Ao apresentar filmagens da época retratada as pessoas envolvidas, cada um reflete sobre suas decisões, histórias e memórias de uma forma particular.
Logicamente, conhecer a história dessas revoluções é importante para entender mais do filme, porém não é primordial. O Rei Nu não se preocupa em aprofundar-se em uma análise histórica, mas entender as motivações que levam pessoas a iniciarem uma revolução para buscar mudanças. As ponderações provavelmente poderiam servir de análise para qualquer outra revolução da história mundial.
Repórter polonês
Na época que o filme toma como tema, o diretor estava na Polônia para estudar. Lá ele conheceu um repórter polonês: Ryszard Kapucscinski, que esteve então no Teerã para cobrir a revolução iraniana. Suas citações e impressões sobre o país e a revolução funcionam como um narrador reflexivo.
A partir de imagens de arquivo e imagens atuais, Andreas busca fazer um balanço sobre o surgimento e crescimento de um espírito revolucionário que leva as pessoas a perderem o medo e enfrentarem o sistema, mesmo que isso possa lhes custar as vidas. Em comum em ambos cenários: totalitarismo, repressão e má administração.
Como iniciar uma revolução
O Rei Nu vai tecendo a partir de depoimentos e citações, teorias sobre como se iniciar uma revolução. Ele afirma que para isso é preciso se libertar do próprio ego. Sair da zona de conforto. A partir de uma pequena reivindicação ou um simples incômodo pode se iniciar uma revolução. Podemos ver isso quando os organizadores de uma greve na Polônia falam a uma equipe de filmagem e reclamam das mentiras do governo (algo, segundo um dos participantes, impensável até então).
No Brasil, em 2013, a partir de uma insatisfação geral com aumentos de passagens de ônibus em 20 centavos em diversas capitais deu início a uma grande onda de manifestações país adentro.
Para Józef Pinior, um dos grevistas poloneses, ele tornou-se um revolucionário ao “saber que é possível viver de outra forma”. Segundo ele, este pensamento mudou sua vida, pois ele teria então algo pelo que protestar, muito embora ele não soubesse se conseguiria ou não. Porém, isto não era importante.
Quando a revolução perde seu espírito
O filme pensa então no que acontece no fim de uma revolução. É tudo muito bonito de se ver. As pessoas unidas por um ideal. Mas o que acontece depois que se alcança a vitória? Quando a revolução chega ao fim, perde-se o sentimento coletivo e cada um retorna ao seu próprio ego.
A revolução polonesa após um sucesso inicial, foi apagada e destruída pelo estado, enquanto que a revolução iraniana sofreu uma usurpação pela liderança religiosa radical. Isso significa que as revoluções falharam? Elas foram um erro? Que legado elas deixaram? Há do que se orgulhar? São perguntas que podem ter colocação em qualquer revolta em qualquer espaço-tempo.
Se o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus foi impedido em 2013, de lá para cá aconteceram outros aumentos muito acima de 20 centavos, e a situação política só tem descido mais a ladeira. Isso significa o que? O que podemos dizer das pessoas e os ideais de quem protestou?
Reflexão e metáforas
Certamente, as entrevistas não são objetivas como reportagens jornalísticas. Aliás, muitas vezes as pessoas falam através de metáforas e analogias, como a artista Negar Tahsili que fala sobre a inutilidade da burocracia e o poder da repressão ao relatar sua memória de um programa didático que assistia na televisão, ou a comparação da revolução a um trem por um membro da revolução iraniana.
O Rei Nu não dá respostas, nem apresenta uma conclusão final, mas apresenta uma reflexão de porque as revoluções que começam de forma tão vibrante podem acabar sendo suprimidas ou distorcidas de seus ideais originais, transformando-se no que se combatia.
Afinal, as coisas começam a se acabar, quando os revolucionários viram inimigos da própria revolução ou a repressão vira um meio, assim como era pelo poder que foi derrubado. Cenários onde a repressão política, a perseguição e a corrupção imperam são propícios para revoluções, pois eventualmente as pessoas não acreditam mais no sistema.