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Aranha (Andrés Wood, 2019) | Crítica – O que os conservadores querem tanto conservar?

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Aranha Crítica

Afinal de contas, o que os conservadores querem tanto conservar? Seja o seu status quo ou garantir o futuro da sua prole. “Aranha” promove uma reflexão sobre alguns desses temas tão caros ao embate entre esquerda e direita no âmbito sócio-político. Apesar de ser um drama político, o espectro de uma análise psicológica vai se revelando evidente no desenrolar da história, com roteiro assinado por Guillermo Calderón e Andrés Wood, que também assina a direção.

“Aranha” conta a história de um triângulo amoroso formado por Inés (Mercedes Morán), Justo (Felipe Armas) com quem é casada e tem um filho; e Gerardo (Marcelo Alonso). O casal fazia parte do grupo extremista Pátria e Liberdade que tinha como objetivo perseguir comunistas no Chile e promoveu diversos atentados violentos contra grupos de esquerda, que culminaram no golpe militar de Augusto Pinochet.

O filme é como uma onda. Tem um grande impacto no início com uma perseguição de carro que injeta muitas dúvidas dos caminhos do roteiro. Tem seu momento de calmaria, porém tão logo voltam novas ondas de tensão. Não chega a ser um problema de ritmo, ao contrário. O roteiro, muito coeso, é costurado por flashbacks onde conhecemos os personagens principais na década de setenta e suas inclinações políticas. Outro aspecto muito positivo desta obra é a direção de Wood com uma decupagem clássica, com bons usos de close. Percebe-se em tela uma afinação da equipe técnica, principalmente entre fotografia e direção de arte. A decupagem correta é refletida na ótima montagem.

Culpa

O casal ainda jovem, introduz Gerardo dentro do grupo nacionalista Pátria e Liberdade que visava derrubar o presidente socialista constitucionalmente eleito, Salvador Allende.

Enquanto planejavam atentados, Inês passa a ter um relacionamento com Gerardo, traindo seu marido. Em certo momento ela diz “Garotas como eu não se divorciam” quando tem seu casamento questionado por Gerardo, revelando um pouco da psique do conservadorismo de direita pautado na misoginia e culpa cristã. A dicotomia entre apoiar um regime que irá lhe tolher algumas de suas próprias liberdades e ser uma mulher forte.Terminar seu casamento e viver uma paixão ou manter uma vida de aparências enquanto tentam derrubar um presidente?  Mas vemos pelo seu caráter que pouco importa, se isso lhe dá retorno, seja em status social ou na manutenção econômica de sua família.

Quarenta anos depois do atentado promovido pelo grupo Pátria e Liberdade, Gerardo ressurge dos mortos. Seu retorno abala o casal Inês e Justo, sob a ameaça de que sejam revelados os esqueletos em seu armário. O casal usufrui de uma vida rica e cheia de privilégios, frutos colhidos pelo apoio à tomada da extrema-direita ao poder. Inês faz de tudo para encobrir seus rastros manipulando o sistema para trancafiar seus segredos mais sujos. Gerardo serve como bode expiatório  de uma elite, onde a ele é transferido todo o dolo, sendo a cara do movimento Patria e Liberdade e dos atentados no passado enquanto no presente seu retorno é usado como escudo para preservar o futuro da família de Inês e Justo.

Tribunal

O filme não é um tribunal onde visa somente julgar a ditadura Chilena, mas sim, ele tem um lado. Wood tende a apontar e talvez até mesmo denunciar como o conservadorismo de direita pretende conservar tão somente suas teias de influência, seja economicamente ou manipulando os fatos históricos em detrimento de sua ideologia de segregação entre ricos e pobres.

No Chile, assim como em muitos países da América Latina, as feridas do golpe militar ainda estão abertas. São milhares de mortos, milhares de torturados, centenas de desaparecidos e muitos milhões de dólares roubados do cofre público. Em Aranha, percebemos como é cíclico tais movimentos autoritários patrocinados pelos conservadores de direita, seja atravez de tentativas de golpes ou na continuada influencia em apagar o passado, numa tentativa de minimizar os danos causados por tamanha ruptura. Tentam recriar a narrativa de que sempre há um inimigo, seja combatendo uma fantasiosa ameaça comunista ou se voltando contra outros grupos minoritários. Existe sempre um grupo que sente muita saudade de um tempo glorioso que nunca aconteceu. Os conservadores, por fim, tentam reviver tempos macabros travestidos de patriotismo.

O filme “Aranha” entra em cartaz no dia 23/09, quinta-feira.

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas, com Cida Bento e Daniel Munduruku | Assista aqui

Veja o filme que aborda ações afirmativas e o racismo na ciência num diálogo contundente

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku

Na última quinta-feira (23), fomos convidados para o evento de lançamento do curta-metragem Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku. Aconteceu no Museu da República, no Rio de Janeiro.

Após a exibição um relevante debate ocorreu. Com mediação de Thales Vieira, estiveram presentes Raika Moisés, gestora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira; Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia da UERJ e Carol Canegal, coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude. Ynaê Lopes dos Santos e outros que estavam na plateia também acrescentaram reflexões sobre epistemicídio.

Futura série?

O filme é belo e necessário e mereceria virar uma série. A direção de Fábio Gregório é sensível, cria uma aura de terror, utilizando o cenário, e ao mesmo tempo de força, pelos personagens que se encontram e são iluminados como verdadeiros baluartes de um saber ancestral. Além disso, a direção de fotografia de Yago Nauan favorece a imponência daqueles sábios.

O roteiro de Aline Vieira, com argumento de Thales Vieira, é o fio condutor para os protagonistas brilharem. Cida Bento e Daniel Munduruku, uma mulher negra e um homem indígena, dialogam sobre o não-pertencimento naquele lugar, o prédio da São Francisco, Faculdade de Direito da USP. Um lugar opressor para negros, pobres e indígenas.

Jacinta

As falas de ambos são cheias de sabedoria e realidade, e é tudo verdade. Jacinta Maria de Santana, mulher negra que teve seu corpo embalsamado, exposto como curiosidade científica e usado em trotes estudantis no Largo São Francisco, é um dos exemplos citados. Obra de Amâncio de Carvalho, responsável por colocar o corpo ali e que é nome de rua e de uma sala na USP.

Aliás, esse filme vem de uma nova geração de conteúdo audiovisual voltado para um combate antirracista. É o tipo de trabalho para ser mostrado em escolas, como, por exemplo, o filme Rio, Negro.

Por fim, a parceria entre Alma Preta e o Observatório da Branquitude resultaram em uma obra pontual para o entendimento e a mudança da cultura brasileira.

Em seguida, assista Nenhum saber para trás:

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