Em tempos atuais, a indústria musical tem cada vez mais seguido na direção dos artistas independentes. Com o fim do monopólio das grandes gravadoras e com a chegada da informatização, cada vez mais, artistas que antes não tinham espaço pra expor seu trabalho, agora com a internet e tecnologia, se viram com a oportunidade de produzir e divulgar seus próprios trabalhos. Se por um lado isso proporcionou uma visibilidade global, a produção artística ficou mais “individualizada”. Ou seja, um produto que antes demandaria uma grande equipe para se elaborar, hoje apenas uma pessoa é possível produzir sozinha todo o processo.
Isso acarretou em uma mudança drástica no setor de entretenimento. O artista sem o apoio das gravadoras é forçado a produzir sozinho e custear seus trabalhos. Além disso, a dinâmica dos eventos e casas de show também mudou, pois os contratantes passaram a optar por bandas e projetos mais enxutos, uma vez que com menos pessoas e com custo menor é possível também ter um resultado. Inclusive, nesse cenário se faz indispensável o domínio do artista/cantor do máximo de habilidades do processo de produção. Falarei um pouco a seguir da minha história e como a habilidade de tocar um instrumento além de cantar fez toda a diferença no meu trabalho.
Piano
Comecei minha formação musical através do piano, e mais tarde decidi estudar canto. Como fui criada num lar musical, sempre foi muita clara a necessidade de dominar um instrumento musical, mesmo que quisesse me tornar apenas cantora. O canto desde cedo ganhou uma proporção muito maior na minha vida e acabei deixando o piano em segundo plano durante algum tempo. Contudo, jamais poderia imaginar como ele poderia fazer toda a diferença na minha vida profissional. Já na época da faculdade de música percebi que o fato de ter uma habilidade mais apurada com o instrumento fazia com que meu desempenho acadêmico fosse melhor do que os meu colegas cantores. Porém, ainda assim, como meu curso era de canto erudito, o piano exercia apenas uma função de apoio nos meus estudos ou de um “hobby”.
Em determinado momento me desanimei com o curso de canto erudito e o piano começou a ganhar mais tempo na minha agenda. Aliás, isso quase me fez trocar de curso. Logo a diante, ficou claro que meu caminho na música era outro: A música popular. No mesmo ano ganhei uma bolsa pra estudar jazz nos EUA, e neste curso não havia distinção entre instrumento e voz; era necessário que se estudasse primordialmente uma linguagem, a harmonia, o que só um instrumento harmônico (entende-se por instrumentos que fazem harmonia como o piano, violão, guitarra) poderia proporcionar.
Brasil
Com o tempo fui percebendo que todos os meus colegas cantores na faculdade americana, tocavam piano ou guitarra/violão num nível bem alto. Em suma, além de se destacarem por tal competência, eles eram chamados com frequência pra viajar e fazer shows sozinhos em vários lugares. Ainda na mesma época, comecei meus primeiros trabalhos com bandas de jazz latino em solo americano, e lembro que os músicos esperavam que eu dissesse a eles o que fazer e como fazer… Lembro de ficar
totalmente perdida no processo, pois tudo era muito novo para mim.
De volta ao Brasil, com a certeza de que queria trabalhar primordialmente com música popular, me deparei com novos desafios, com novas formas de trabalhar e principalmente, com a informalidade. Diferente do mundo clássico em que ficava meses me aprimorando pra cantar num concerto, na música popular meu telefone tocava para fazer um show amanhã! Quando isso acontecia, eu começava a ligar desesperadamente para músicos que soubessem meu repertório e mais difícil que isso, que estivessem disponíveis. Nem sempre eu os encontrava e acabava perdendo os trabalhos, coisa que me deixava bem aborrecida pois na época eu tinha fome de experienciar os palcos e a vida artística.
Paralelo a minha vida artística, sempre fui professora de canto para me manter materialmente e lembro que me empolgava com algumas músicas que os alunos traziam que eram legais de acompanhar ao piano, daí comecei a praticar mais e mais para acompanhá-los. Chegou a um ponto que eu comecei a tocar razoavelmente e comecei a me arriscar a me acompanhar, mas nunca numa esfera profissional.
Europa
Em 2014, fui pra Europa experimentar a vida artística por lá, e tão logo cheguei, consegui entrar pra uma agência artística com foco em música brasileira e meu manager falou: Helô, a partir de hoje você vai tocar também, isso facilitará muito a abertura das portas pra você. E até hoje sou muito grata a ele, pois a partir daí um mundo inteiro de possibilidades se abriu para mim, e trabalhos muito legais vieram a partir disso. Conseguia viajar sozinha e fazer meus shows por aí, tocando com músicos de diversas partes, ensinando a eles a minha música. Nem sempre eu me apresentava sentada ao piano, mas o simples fato de conseguir mostrar aos músicos nos ensaios como era a música que eu fazia, já era o suficiente pra me dar uma autonomia jamais sonhada.
Em tempos de isolamento social e vida digital através de redes sociais e lives, muitos cantores me perguntam, é realmente necessário saber tocar um instrumento? Eu diria que se você quiser ter autonomia e uma relação mais direta com a música que você produz, sim, certamente. Caso contrário você sempre ficará refém de outras pessoas e bases gravadas (que são limitadas) para executar o seu trabalho.
O instrumento
É possível fazer uma carreira sem tocar um instrumento? Sim, certamente. Conheço cantores que mesmo sem saber tocar algo, tem uma musicalidade e uma intuição musical muito apurada advinda de anos de experiência. Contudo, esbarram de vez enquanto em dificuldades de materializar seus trabalhos e até mesmo de expressar quanto ao que querem.
Afinal, o que quero dizer com tudo isso? Cantores que tocam podem ampliar as possibilidades no seu fazer artístico. Consequentemente, tem uma liberdade para se expressar e materializar o que quiser, seja numa simples tarefa de escolha de tom em uma música, quanto poder harmonizar uma canção, construir a base de uma nova composição. Não perca tempo, sempre é o momento de um novo aprendizado, toque um instrumento e conquiste sua liberdade.