Cultura
Cantores que tocam tem mais independência
Publicado
3 anos atrásem
Por
Helô Tenório
Em tempos atuais, a indústria musical tem cada vez mais seguido na direção dos artistas independentes. Com o fim do monopólio das grandes gravadoras e com a chegada da informatização, cada vez mais, artistas que antes não tinham espaço pra expor seu trabalho, agora com a internet e tecnologia, se viram com a oportunidade de produzir e divulgar seus próprios trabalhos. Se por um lado isso proporcionou uma visibilidade global, a produção artística ficou mais “individualizada”. Ou seja, um produto que antes demandaria uma grande equipe para se elaborar, hoje apenas uma pessoa é possível produzir sozinha todo o processo.
Isso acarretou em uma mudança drástica no setor de entretenimento. O artista sem o apoio das gravadoras é forçado a produzir sozinho e custear seus trabalhos. Além disso, a dinâmica dos eventos e casas de show também mudou, pois os contratantes passaram a optar por bandas e projetos mais enxutos, uma vez que com menos pessoas e com custo menor é possível também ter um resultado. Inclusive, nesse cenário se faz indispensável o domínio do artista/cantor do máximo de habilidades do processo de produção. Falarei um pouco a seguir da minha história e como a habilidade de tocar um instrumento além de cantar fez toda a diferença no meu trabalho.
Piano
Comecei minha formação musical através do piano, e mais tarde decidi estudar canto. Como fui criada num lar musical, sempre foi muita clara a necessidade de dominar um instrumento musical, mesmo que quisesse me tornar apenas cantora. O canto desde cedo ganhou uma proporção muito maior na minha vida e acabei deixando o piano em segundo plano durante algum tempo. Contudo, jamais poderia imaginar como ele poderia fazer toda a diferença na minha vida profissional. Já na época da faculdade de música percebi que o fato de ter uma habilidade mais apurada com o instrumento fazia com que meu desempenho acadêmico fosse melhor do que os meu colegas cantores. Porém, ainda assim, como meu curso era de canto erudito, o piano exercia apenas uma função de apoio nos meus estudos ou de um “hobby”.
Em determinado momento me desanimei com o curso de canto erudito e o piano começou a ganhar mais tempo na minha agenda. Aliás, isso quase me fez trocar de curso. Logo a diante, ficou claro que meu caminho na música era outro: A música popular. No mesmo ano ganhei uma bolsa pra estudar jazz nos EUA, e neste curso não havia distinção entre instrumento e voz; era necessário que se estudasse primordialmente uma linguagem, a harmonia, o que só um instrumento harmônico (entende-se por instrumentos que fazem harmonia como o piano, violão, guitarra) poderia proporcionar.
Brasil
Com o tempo fui percebendo que todos os meus colegas cantores na faculdade americana, tocavam piano ou guitarra/violão num nível bem alto. Em suma, além de se destacarem por tal competência, eles eram chamados com frequência pra viajar e fazer shows sozinhos em vários lugares. Ainda na mesma época, comecei meus primeiros trabalhos com bandas de jazz latino em solo americano, e lembro que os músicos esperavam que eu dissesse a eles o que fazer e como fazer… Lembro de ficar
totalmente perdida no processo, pois tudo era muito novo para mim.
De volta ao Brasil, com a certeza de que queria trabalhar primordialmente com música popular, me deparei com novos desafios, com novas formas de trabalhar e principalmente, com a informalidade. Diferente do mundo clássico em que ficava meses me aprimorando pra cantar num concerto, na música popular meu telefone tocava para fazer um show amanhã! Quando isso acontecia, eu começava a ligar desesperadamente para músicos que soubessem meu repertório e mais difícil que isso, que estivessem disponíveis. Nem sempre eu os encontrava e acabava perdendo os trabalhos, coisa que me deixava bem aborrecida pois na época eu tinha fome de experienciar os palcos e a vida artística.
Paralelo a minha vida artística, sempre fui professora de canto para me manter materialmente e lembro que me empolgava com algumas músicas que os alunos traziam que eram legais de acompanhar ao piano, daí comecei a praticar mais e mais para acompanhá-los. Chegou a um ponto que eu comecei a tocar razoavelmente e comecei a me arriscar a me acompanhar, mas nunca numa esfera profissional.
Europa
Em 2014, fui pra Europa experimentar a vida artística por lá, e tão logo cheguei, consegui entrar pra uma agência artística com foco em música brasileira e meu manager falou: Helô, a partir de hoje você vai tocar também, isso facilitará muito a abertura das portas pra você. E até hoje sou muito grata a ele, pois a partir daí um mundo inteiro de possibilidades se abriu para mim, e trabalhos muito legais vieram a partir disso. Conseguia viajar sozinha e fazer meus shows por aí, tocando com músicos de diversas partes, ensinando a eles a minha música. Nem sempre eu me apresentava sentada ao piano, mas o simples fato de conseguir mostrar aos músicos nos ensaios como era a música que eu fazia, já era o suficiente pra me dar uma autonomia jamais sonhada.

Em tempos de isolamento social e vida digital através de redes sociais e lives, muitos cantores me perguntam, é realmente necessário saber tocar um instrumento? Eu diria que se você quiser ter autonomia e uma relação mais direta com a música que você produz, sim, certamente. Caso contrário você sempre ficará refém de outras pessoas e bases gravadas (que são limitadas) para executar o seu trabalho.
O instrumento
É possível fazer uma carreira sem tocar um instrumento? Sim, certamente. Conheço cantores que mesmo sem saber tocar algo, tem uma musicalidade e uma intuição musical muito apurada advinda de anos de experiência. Contudo, esbarram de vez enquanto em dificuldades de materializar seus trabalhos e até mesmo de expressar quanto ao que querem.
Afinal, o que quero dizer com tudo isso? Cantores que tocam podem ampliar as possibilidades no seu fazer artístico. Consequentemente, tem uma liberdade para se expressar e materializar o que quiser, seja numa simples tarefa de escolha de tom em uma música, quanto poder harmonizar uma canção, construir a base de uma nova composição. Não perca tempo, sempre é o momento de um novo aprendizado, toque um instrumento e conquiste sua liberdade.
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Helô Tenório é cantora, compositora, pianista e vocal coach. Formada em Canto Lírico pela UFRJ, com estudos na West Virginia University.

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Crítica
Benjamin, o palhaço negro | Uma homenagem ao primeiro palhaço negro do Brasil
Publicado
4 dias atrásem
25 de maio de 2023Por
Livia Brazil
Parece até piada que notícias como a do racismo sofrido pelo jogador de futebol Vini Jr. ou um aplicativo que simula a escravidão tenham saído enquanto “Benjamin, o palhaço negro” está em cartaz. Infelizmente não é. Assim como não é piada e nunca deveria ser considerada como uma as coisas que um certo “humorista” disse no vídeo que, com razão, foi obrigado a ser retirado do ar. Infelizmente, a luta contra o racismo continua, desde a época em que Benjamin de Oliveira viveu, de 1870 a1954. Cem anos e as atitudes dos racistas continuam iguais! É um absurdo!
Mas sabe o que mudou? O combate. Como fica bem óbvio no texto do musical, agora não se sofre mais calado. Agora há luta. Agora há regras, há leis, os racistas não vão fazer o que querem e ficar por isso. As pessoas pretas vão exigir o seu lugar de direito e o respeito de todos. Já está mais do que na hora, né?
Mas estou me adiantando para o final da peça. Vamos voltar ao começo.
Quem foi Benjamin de Oliveira?
Benjamin de Oliveira foi o primeiro palhaço negro do Brasil, em uma época em que pessoas pretas não eram aceitas ou bem-recebidas no mundo do entretenimento (e no mundo como um todo, sejamos sinceros). Além disso, ele foi o idealizador e criador do primeiro circo-teatro. Mas por que, então, não conhecemos a história dele?
Por que vocês acham?
Como os atores dizem no início do musical idealizado por Isaac Belfort, a história do circo foi embranquecida, assim como todas as histórias que aprendemos. A peça vem, portanto, para contar a história verdadeira e colocar luz em cima de quem deveria, desde sempre, ter ganhado os louros de sua invenção. Em um espetáculo intenso, sensível e moderno, o público aprende sobre quem foi Benjamin e, também, a valorizar os artistas negros atuais e da nossa história. Mostrando, assim, pra quem tinha dúvidas, quanta gente preta de talento existe e sempre existiu. Só falta, como disse Viola Davis, oportunidade.
O espetáculo
No palco, cinco atores. Eles se revezam para interpretar Benjamin, uma sacada ótima. Uma sacada que faz todo mundo querer se colocar no lugar daquele personagem. Uma sacada que faz qualquer um não conseguir não se colocar no lugar daquele personagem. E sentir todas as dores que ele sentiu. Para pessoas brancas, como a jornalista que vos fala, que nunca vão saber o que é sofrer o racismo na pele, é um toque certeiro pra empatia. Mesmo que forçada, aos que até hoje tentam ignorar esse mal da nossa sociedade. É necessário.
Outra sacada ótima foram os toques de modernidade ao longo de todo o roteiro, muito bem escrito. Colocar personagens da época de Benjamin agindo como os jovens tiktokeiros e twitteiros de hoje foi primordial pra facilitar a identificação. Mesmo para quem não conseguiria fazer a paridade entre a época outrora e os tempos atuais, o roteiro faz questão de não deixar dúvidas. E fica impossível não reconhecer algumas das personagens mostradas no palco. O espectador vai, na hora, conseguir lembrar de alguém que já conheceu ou viu passar pela internet. Ou vai pensar em si mesmo. E é aí que mora a chave do sucesso da peça: porque o reconhecimento traz a mudança (ou assim se espera).
Um elenco de se tirar o chapéu
Os cinco atores – Caio Nery, Elis Loureiro, Igor Barros, Isaac Belfort e Sara Chaves – sabem muito bem o que estão fazendo. Dão show em cima do palco. Cantam, atuam e se movimentam de forma emocionante. A cenografia ajuda, claro. Assim como a iluminação. E a coreografia. O espetáculo é apresentado em um espaço pequeno, que ajuda ao espectador se sentir dentro da peça. E a força com que cada elemento está em cena – atuação, música, iluminação, cenário – torna difícil não sentir cada cena como se estivesse acontecendo com si mesmo.
Preciso, porém, destacar dois dos atores: Caio Nery e Sara Chaves. Todos em cena estão visivelmente entregando tudo e fazem um espetáculo lindo de se ver. Mas Caio e Sara sobressaem. Destacam-se por ser possível enxergar a emoção por trás dos personagens, e deixarem a peça ainda mais forte e bonita. São dois jovens atores de 20 e poucos anos que, com certeza, ainda vão longe!
Curtíssima temporada
Se você se interessou em assistir “Benjamin, o palhaço negro”, corre! O espetáculo ficará em cartaz somente até o dia 28 de maio, esse domingo. Como mencionado anteriormente, o espaço é pequeno, portanto os ingressos esgotam rápido. Essa não é a primeira vez que o musical fica em cartaz no Rio de Janeiro. Ano passado teve sessão única em novembro e uma curta estadia em São Paulo. Isso porque é uma peça independente. O que resta ao público, além de assistir às sessões do final de semana, é torcer para conseguirem mais patrocínio para seguirem com essa peça tão importante por mais tempo.
Serviço
Benjamin, o palhaço negro
Onde: Espaço Tápias (Av. Armando Lombardi, 175 – 2º andar – Barra da Tijuca).
Quando: 27 e 28 de maio (sábado e domingo), às 20h.
Idealização e produção: Isaac Belfort
Direção geral e músicas: Tauã Delmiro
Direção musical e músicas: Peterson Ferreira
Coreografia: Marcelo Vittória
Design de luz: JP Meirelles
Design de som: Breno Lobo
Direção residente: Manu Hashimoto
Direção de produção: Sami Fellipe
Coprodução: Produtora Alada
Realização: Belfort Produções e Teçá – Arte e Cultura
Crédito da foto: Paulo Henrique Aragon
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