Hoje vi uma obra de arte e lembrei de ti, meu vô.

Lembrei da tua singela face. Cara preta, barba branca rala, bigode grosso prateado, olhos meigos e sofridos, contudo, sem tristeza. Lembrei do teu jeito simples, camisa de botão fininha de tecido pobre, calça clara e surrada, sandálias.
Lembrei de quando me contou sobre sua mãe, chegando no barraco e lhe mostrando, com felicidade indescritível, a carta de alforria.
Ô, vô, só tu, com seu colo acolhedor, aplacava minha hiperatividade infantil. Seu cafuné de toque divinal era a sofisticação da humildade.
Você partiu, tinha eu 7 anos. Quis ir junto para o caixão. Como tu irias sozinho para o céu, enterrado debaixo de tanta bendita terra amaldiçoada?
Ah! Sigo andando! Teu sangue negro corre vivo em minhas veias e pulsa indignação ao ver irmão traindo irmão.
Ô, meu vô, preto-véio protetor, que falta tua ternura me faz neste mundo de falsidades e desilusões.
A cada dia que passa, olho-me no espelho, e pergunto: onde está teu olhar sincero para indicar o caminho da honra e me afastar das torpes enfermidades que corrompem a raça humana?