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Crítica

‘Cordel Camará’ é um show de referências, por Paty Lopes

Lendas da capoeira em literatura popular

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livro cordel camara

“Cordel Camará – a história e as lendas da capoeira”. A literatura de cordel é conhecida no Brasil como folheto, literatura popular em verso, e foi assim que Jorge Fernando do Santos resolveu contar a história da capoeira.

“A capoeira surgiu como resposta a violência a qual os escravizados eram submetidos em tempos coloniais e imperiais no Brasil. A partir de golpes e movimentos corporais ágeis, a luta permitia que eles se defendessem das brutais perseguições dos capitães do mato, cuja atribuição era capturar quem havia fugido”.

Melhor dizendo, a capoeira foi criada pelos descendentes de africanos aqui no Brasil. Não é uma luta africana, como muitos pensam.

“Os rituais religiosos e danças comemorativas feitas na terra natal já mostravam os primeiros passos que iriam culminar na Capoeira”. Portanto, as referências aos orixás feitas pelo autor estão muito bem solidificadas na leitura.

Um dos mestres mais conhecidos da capoeira Angola é Vicente Ferreira Pastinha – o Mestre Pastinha. (mencionado no cordel)

Discípulo do mestre africano Benedito, Pastinha dedicou sua vida aos ensinamentos da capoeira em sua academia no Pelourinho

Embora haja registros que a capoeira tenha nascido em Alagoas, o livro faz a primeira referência na Bahia. Quando fui tentar entender essa origem, encontrei divergências de informações. Mas percebi que o maior capoeirista do mundo é da Bahia, que as histórias registradas também são do estado baiano. O autor foi bem assertivo, diante dos fatos, dos dados científicos.

Confesso que senti falta de mais ilustrações em “Cordel Camará” que apontassem a luta/dança como um pertencimento nosso.

A história é contada em rimas, inclusive os nomes dos golpes fazem parte do texto também.
Os instrumentos musicais utilizados na capoeira estão desenhados, fazem parte das ilustrações. Gostei da ilustração, bem inclusiva, entendeu o princípio desse país miscigenado.

As palavras em ioruba também estão contidas no texto, levando em consideração, uma delas que muito me toca, a palavra banzo, que era o sentimento de saudade da terra natal, dos seus, sentimentos dos escravizados no Brasil.

Zumbi também é mencionado em “Cordel Camará”, ele é conhecido como um líder quilombola brasileiro. Quilombo, povoação fortificada de escravos negros fugidos da escravidão, e nesse lugar de resistência, a luta era a capoeira.

“Cordel Camará” faz referência ao mestre Mangangá (Manoel Henrique Pereira – Santo Amaro – Ba, 1895 — Santo Amaro – Ba, 1924), mais conhecido como Besouro Mangangá foi um capoeirista baiano que no início do século XX tornou-se o maior símbolo da capoeira baiana.), o que pareceu bem-vindo.
Aliás, segue veja abaixo o filme do Mestre da Capoeira (filme nacional, patrocinado pela Ancine, com a participação da atriz Jessica Barbosa, que estava inclusive no SESC Copacabana, atuando no teatro).

Existe coesão no texto do autor.

É bom entender a importância do esporte para nós brasileiros.

Interessante que antes de terminar o livro, o texto fala sobre a representatividade feminina na luta.

Penso que a história deve ser contada, mas também explicada, pois a cada referência temos histórias para contar.

No Brasil, temos um péssimo hábito de valorizarmos o que é de fora, temos, por exemplo, a luta marcial do Japão, o Jiu-jítsu, que desembarcou aqui em 1914.  Mesmo assim essa é uma das modalidades de luta mais procuradas pelos jovens brasileiros. Sabe-se que são lutas diferentes, uma mais ofensiva, pois se tratava de um estilo de luta pela sobrevivência. Já a outra tem uma função de controle, dominar o oponente (desarmado) por meio de técnicas que envolvem o uso eficiente de energia física e mental.

Vale muito falar sobre Manoel dos Reis Machado, mestre Bimba foi uma figura importante, pois modernizou a prática da capoeira a fim de trazer mais adeptos e conseguiu que se tornasse um esporte nacional no Brasil. O autor fez uma bela pesquisa sobre os capoeiristas.

A professora que se dispõe a levar esse material para a sala de aula  aborda também o escravismo no Brasil. É um trabalho riquíssimo a ser destrinchado pelos pequenos brasileiros sedentos de informações.

Oriento para crianças com mais de dez anos, quando não acompanhadas, com interesse em entender mais sobre a capoeira.

Nas últimas páginas, o autor fala sobre o símbolo de resistência que se transformou a capoeira. Em 2014, a Unesco, declarou a roda de capoeira Patrimônio Imaterial da Humanidade. Penso que cada escola deveria ter um exemplar.

Seja menino ou menina,

quem a arte já domina

pula pra lá e pra cá.

Sabe dar salto-mortal,

Na praça ou lá no quintal:

-capoeira vai gingar!

A obra é resultado de uma cuidadosa pesquisa histórica, que caracteriza o trabalho de Jorge Fernando dos Santos. Em “Cordel Camará – a história e as lendas da capoeira”, o autor narra como a capoeira foi se espalhando pelo Brasil e recorda grandes nomes do esporte, como os Mestres Pastinha, Bimba e Besouro Mangangá, entre outros. A ilustração apresenta ao leitor toda a beleza dos movimentos da capoeira e os instrumentos utilizados, como o berimbau e pandeiro. O livro faz parte da coleção “Cordel”, que oferece ao público diversos títulos que abordam temas regionais e culturais. Ao final da publicação, o autor oferece ainda um glossário com as palavras de origem africana e uma explicação sobre a origem histórica da capoeira.

Jorge Fernando dos Santos é de Belo Horizonte. Escritor, jornalista e compositor, tem mais de 40 livros publicados, entre eles o romance “Palmeira Seca” (Prêmio Guimarães Rosa em 1989, adaptado para teatro e minissérie da Rede Minas). É autor da novela “Alguém tem que ficar no gol” e da biografia “Vandré – o homem que disse não”. Pela PAULUS Editora publicou “No clarão das águas”, “ABC da MPB”, “As cores no mundo de Lúcia”, “Ave viola – Cordel da viola caipira”, “Alice no país da natureza”, “Cordel da bola que rola” e “Cordel do Rio Chico”.

Onde comprar: Amazon

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Sou apenas uma crítica teatral, entendendo o quanto o teatro educa e move montanha em nós...

Crítica

‘Isto é Amor!’, saiba mais sobre o livro de Sonia Rosa, por Paty Lopes

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capa do Livro Isto é Amor de Sonia Rosa. Mostra uma mãe com seu filho, ambos são negros claros. O fundo é rosa.

Nia Produções Literárias nasceu em 2015. Veio de um desejo muito particular de levar literatura infantil com protagonismo negro a lugares não convencionais e assim alcançar um público que precisava, mas não conseguia ter acesso de forma “convencional” a essa literatura. Nia significa propósito, e com esse proposta que ela se sustenta por todo esse tempo (que parece ser pouco, mas só quem vive de empreender sabe o que cada dia a mais significa). Tatiana Oliveira, é a responsável pela curadoria dos livros editados pela Nia.

Vamos falar do livro “Isto é Amor!”. Obra da querida e renomada autora Sonia Rosa.

O livro apresenta ilustrações de Sandra Ronca, que não pecou. Podemos dizer que Sandra usou de toda sua aquarela em tons pastéis para ilustrações delicadas e que fazem bem aos olhos, posso dizer que uma das mais belas vista por mim.

Suavidade é o termo certo, mas que deixam as crianças conectadas.

Posso afirmar isso, pois li a história para crianças autistas no Museu de Arte Moderna, as crianças se encantaram com os corações e as demais figuras.

É possível entreter as crianças com as ilustrações do livro, em suas páginas, como já dito, notamos que as personagens trafegam em espaços diferentes, e também contém objetos que crianças em desenvolvimento da fala terão oportunidade de aprendizado, o que julgo importante, dependendo da fase que estão.

A gramatura do livro, das folhas, descartam a ideia de um livro simplório, se bem que nenhum livro é simplório, afinal são deles que adquirimos a maior riqueza da vida, o saber. Então posso dizer que temos um livro corpulento, que inclusive serve como um excelente presente de aniversário, de natal ou dia das crianças, afinal estamos em outubro e nada mais justo que incentivar a leitura dos pequenos. Mais que isso, aproximar-se, contar histórias, criar enlaces, que ficarão para a vida, na memória de cada criança.

O livro é mesmo um mimo, visita às estações do ano, permeia na escola, festa, praia, além de mencionar as frutas, tudo isso para falar sobre o amor.

Embora a autora tenha livros que abordem as relações étnicas-raciais, no livro Isto é Amor! Ela trouxe a ilustração de personagens negros somente, a história é aquela que todos conhecemos, ou quase todos, afinal falamos de um Brasil precário, em reconstrução, nem todas as crianças têm acesso à escola, alimentação sadia e infelizmente aos direitos que as cercam, os que estão no Estatuto da criança.

O livro faz entender o amor em amamentar, e tudo aquilo que nos leva a infância, como bolos, a presença da avó, banhos de mangueira, tudo simples e que cabe no bolso de qualquer pai e mãe. Isso é importante, não cria uma ilusão que para o amor é preciso tanto, o impossível para alguns pais. O que torna a leitura democrática. Curti bastante esse cuidado!

Esse livro foi criada para crianças negras? Já que as brancas não estão nas ilustrações? Claro que não! Eis aí um excelente momento de interatividade da criança e aquele que está lendo para elas, se for o caso.

Durante a contação de histórias, com crianças com síndrome de Down e autistas, em nenhum momento elas fizeram comentários, me fazendo perceber, que o racismo é coisa de adulto mesmo!

Caso as crianças questionassem, eu colaria fotos deles, da avó deles, ou abriria espaço para eles criarem os seus autorretratos, ao lado dos personagens, porque o que vale mesmo é que eles entendam que viverão em uma sociedade miscigenada, onde os direitos obrigatoriamente devem ser os mesmos para todos.

A saber, Sonia Rosa é carioca, mestre em Relações Étnicos-Raciais pelo Cefet/RJ, pedagoga, professora e contadora de histórias. Sua obra literária é repleta de personagens negros em protagonismo. Em 2020 comemora 25 anos de carreira, com mais de 50 títulos, sendo o primeiro “O Menino Nito”. Já recebeu alguns prêmios pela FNLIJ, inclusive o Altamente Recomendável. Alguns dos seus livros “visitaram” o Catálogo da Feira de Bolonha – maior evento de Literatura Infantil do mundo. Tem livros editados na França, países africanos de língua francesa, Itália, Galícia, México, Canadá e Estados Unidos. Dez bibliotecas levam o seu nome.

Para comprar: https://www.nialiteratura.com.br/product-page/isto-%C3%A9-amor

Por fim, leia mais:

Paty Lopes e o Livro Infantil: Meu Amigo Down

Paty Lopes e o Livro Infantil: O dia em que descobri o que é o Axé

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