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Cowboys (Anna Kerrigan, 2020) | Crítica

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crítica cowboys

“Cowboys “é um belo “trip movie”, daqueles que dão uma aquecida no coração. O filme discute questões sérias como disforia de gênero na infância e masculinidade tóxica, mas por fim é uma grande história de amizade e amor incondicional entre pai e filho. Ambientado no oeste de Montana, um dos estado mais machistas e homofóbicos do Estados Unidos, Troy, um pai bipolar e com problemas com drogas, interpretado por Steve Zahn (Diário de um banana, 2010), sequestra seu filho Joe (Sasha Knight) e partem rumo a fronteira com o Canadá com a promessa de fugir da não-aceitação da identidade de gênero e a negação (e ignorância) de sua mãe, Sally, interpretada pela comediante Jillian Bell. O roteiro não-linear costura passado e presente e mostra uma bola de neve de ações e reações que culminam no sequestro e todas as suas consequências.

Identidade

Joe é uma criança que não se identifica com o gênero feminino e passa a demonstrar sua insatisfação em não se sentir pertencente ao próprio corpo. Como ele mesmo diz “sinto como se houvesse sido abduzido por aliens e me trocaram de corpo”.  Ao notar que sua “filha” não se sente confortável em usar vestido e em se comportar de maneira feminina como o esperado por conservadores carregados de culpa cristã, Sally passa a forçar a barra, empurrando goela abaixo do filho o que culturalmente é imposto, ainda mais em uma região rural muito preconceituosa.

Joe acaba encontrando no pai um porto seguro onde consegue expor o que sente, como se sente, revelando que há tempos ele já se considera um menino e como ele é torturado pela imposição da mãe e da sociedade. Troy é bipolar (ainda não diagnosticado a esta altura), instável com as pessoas, em trabalhos e também explosivo. Talvez o sentimento de se sentir “um peixe fora d’água” cria uma simpatia entre os dois, passando a entender e aceitar o filho como ele é. Troy passa a ser uma ponte entre o filho  e a mãe na tentativa de esclarecer Sally sobre as questões de identidade de gênero, mas a mãe passa a acusar o pai de influenciar sua filha negativamente para que ela fosse como o pai.

Como se ele fosse um herói de Joe, ao tempo em que Sally supostamente fosse pichada como vilã. Há um misto de ciúmes da relação “pai e filho”, ignorância sobre a diferença entre identidade de gênero e sexualidade, machismo estrutural e culpabilização religiosa.

New-western policial

Após o desaparecimento de Joe, sua mãe chama a polícia e entra em cena a detetive Faith, interpretada pela maravilhosa Ann Dowd (Hereditário, 2018). Cética, ela passa a desconfiar da mãe em alguns aspectos sobre os reais motivos da fuga-sequestro e aos poucos vai coletando informações para que haja um real entendimento do quebra-cabeças familiar exposto e passa a seguir pistas mata adentro atrás de uma solução pacífica para trazer pai em filho de volta pra casa. Uma interpretação muito sutil e precisa, assim como todo elenco.

No geral, grandes atuações pedem grandes roteiros e Cowboys é muito bem escrito e muito bem dirigido, ambos assinados por Anna Kerrigan (Five Days Gone, 2010). O filme é dramático mas tem um leve toque de comédia pelo tom pitoresco e caricatural nas atuações por mostrar um Estados Unidos rural e Trumpista.

Respeito

Nota-se uma grande harmonia no elenco e um grande acerto nas escalações. Steve Zahn é muito conhecido por seus trabalhos em diversos filmes de comédia, assim como a comediante nata, Jillian Bell.   O maior acerto de todos é a escalação do jovem ator estreante, Sasha Knight, que é um menino trans. Houve uma grande busca para se achar um ator trans ou não-binário e por sorte Anna Kerrigan nos apresentou Sasha neste filme. O que traz coerência e sensibilidade única, já que há uma maturidade no jovem ator em “reviver” seus dramas pessoais. Além de ser uma grande maneira de demonstrar respeito a comunidade lgbtqia+, que reclama há tempos de escalações equivocadas em algumas obras audiovisuais. Existe uma certa preguiça e preconceito em diretores de elenco na hora de escalar atores e atrizes trans ou não-binários, mas ao poucos isso vem mudando com o próprio amadurecimento da indústria cinematográfica e do público em geral.

Em Cowboy não houve preguiça, é um grande trabalho de direção de ator nesta obra new-western que conta a história de pai e filho que se tornam “foras da lei” num roteiro muito bem desenvolvido por Anna Kerrigan. Uma homenagem aos gêneros de Faroeste com pitadas de críticas a sociedade norte-americana neste premiado longa-metragem. Melhor Ator (Steve Zahn) e Melhor Roteiro (Anna Kerrigan) no Festival de Tribeca 2020.

‘O drama “Cowboys” está disponível a partir de 8 de outubro para compra e aluguel nas plataformas digitais Claro Now, Amazon, Vivo Play, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube Filmes.’

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas, com Cida Bento e Daniel Munduruku | Assista aqui

Veja o filme que aborda ações afirmativas e o racismo na ciência num diálogo contundente

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku

Na última quinta-feira (23), fomos convidados para o evento de lançamento do curta-metragem Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku. Aconteceu no Museu da República, no Rio de Janeiro.

Após a exibição um relevante debate ocorreu. Com mediação de Thales Vieira, estiveram presentes Raika Moisés, gestora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira; Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia da UERJ e Carol Canegal, coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude. Ynaê Lopes dos Santos e outros que estavam na plateia também acrescentaram reflexões sobre epistemicídio.

Futura série?

O filme é belo e necessário e mereceria virar uma série. A direção de Fábio Gregório é sensível, cria uma aura de terror, utilizando o cenário, e ao mesmo tempo de força, pelos personagens que se encontram e são iluminados como verdadeiros baluartes de um saber ancestral. Além disso, a direção de fotografia de Yago Nauan favorece a imponência daqueles sábios.

O roteiro de Aline Vieira, com argumento de Thales Vieira, é o fio condutor para os protagonistas brilharem. Cida Bento e Daniel Munduruku, uma mulher negra e um homem indígena, dialogam sobre o não-pertencimento naquele lugar, o prédio da São Francisco, Faculdade de Direito da USP. Um lugar opressor para negros, pobres e indígenas.

Jacinta

As falas de ambos são cheias de sabedoria e realidade, e é tudo verdade. Jacinta Maria de Santana, mulher negra que teve seu corpo embalsamado, exposto como curiosidade científica e usado em trotes estudantis no Largo São Francisco, é um dos exemplos citados. Obra de Amâncio de Carvalho, responsável por colocar o corpo ali e que é nome de rua e de uma sala na USP.

Aliás, esse filme vem de uma nova geração de conteúdo audiovisual voltado para um combate antirracista. É o tipo de trabalho para ser mostrado em escolas, como, por exemplo, o filme Rio, Negro.

Por fim, a parceria entre Alma Preta e o Observatório da Branquitude resultaram em uma obra pontual para o entendimento e a mudança da cultura brasileira.

Em seguida, assista Nenhum saber para trás:

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