Dirigido por Rachel Daisy Ellis, Eros retrata momentos de intimidade e reflexão da classe média brasileira, nos fazendo pensar sobre as próprias vontades e desejos
Na faculdade, um professor disse que apesar de existirem muitos documentários nacionais que retratam a a classe D e E, poderiam ser contado nos dedos os documentários que representavam a classe média, classe C, sendo ela pouco valorizada e recheada de estigmas para parte da população nacional, assim, para exemplificar o seu ponto, ele passou um documentário sobre um grupo de passageiros em um cruzeiro de luxo: Pacific (2009, Marcelo Pedroso).
O filme de Pedroso se assemelha muito com Eros, afinal, ambos são compostos por filmagens amadoras, ou seja, apresentam qualidade técnica questionável seja em iluminação, posição de câmera, captação de som, entre outras, porém, estas imagens de arquivo trazem uma maior humanidade e permitem que através deste franco olhar, o próprio espectador reflita sobre seus próprios preconceitos e julgamentos.
Enquanto Pacific nos faz rir da galhofa ocasionada por esta classe média, que aproveita tudo o que o cruzeiro de luxo tem de bom e do melhor, Eros é mais profundo em questão psicológica, se utilizando dos momentos de maior franqueza e liberdade entre os casais que decidem passar noites em motéis por todo o Brasil, trazendo situações das mais variáveis e tornando este ambiente, tradicionalmente usado para momentos de sexo e erotismo, em confessionários privativos nos quais seus usuários refletem questões das mais profundas às mais banais, sem perder a graça em nenhum momento.
Confira abaixo o trailer de Eros e continue lendo a crítica
Eros é um documentário que testa o quão mente aberta o espectador realmente é, afinal, por conta de ser composto inteiramente por filmagens amadoras de pessoas no motel, incluindo, mas não limitado à: casais heterosseuxais, casais homossexuais, trisais, Swingers e amantes da prática do BDSM, em momentos de intimidade e nudez tanto do corpo, quanto da alma, em diferentes etapas de uma relação sexual, sejam preliminares, ou o ato em si, a produção torna a audiência um voyeur involuntário.
Rachel Daisy Ellis não ficou na mesmice em suas escolhas, construindo uma jornada que se inicia com o casal mais tradicional possível, um homem e uma mulher, aproveitando um erotismo e um tesão que o espectador não consegue desviar os olhos, porém, sem ser pornográfico ou de mau gosto em nenhum momento, é algo simplesmente natural e humano. Após momentos que ficamos incrédulos e rimos de nervoso com algumas experiências retratadas, e a coragem de certas pessoas em se exporem neste nível, chega um momento que a ficha cai, e percebemos que estamos assistindo a humanidade em seu mais puro estado: despido de qualquer pudor e receio.
Presos neste ambiente de conforto e intimidade, Eros não transmite julgamentos para seus participantes. A câmera, o ambiente, e a companhia, os torna francos para tirar do peito os sentimentos mais íntimos que jamais foram revelados. O homem que desabafa com uma garota de programa que traia as ex mulheres com garotas de programa, a mulher transexual que desabafa sobre como seu parceiro foi a primeira pessoa que realmente a enxergou, o homem gay, pelado na cama com seu parceiro, que discute sobre Jesus, entre outras experiências únicas que fazem o espectador rir, refletir e talvez até mesmo chorar.

Cena de Eros- Divulgação Oficial Fistaile
Da mesma forma que em Decamerão, Giovanni Boccaccio se utilizou de histórias contadas por nobres, Rachel Daisy Ellis se utiliza das histórias contadas pelo “povão”, pela classe média, pela população brasileira que não apresenta medo de se mostrar sem julgamentos, sem travas, somente sendo e desfrutando de modo bem dionisíaco, todos os prazeres que um motel, e uma boa companhia, podem oferecer no espaço de uma noite.
O coup de grace da produção, é o seu encerramento não com um casal, porém, com um jovem solitário. Um jovem que pretende vencer o medo de ir sozinho em lugares que tipicamente não se deve ir sozinho, como um motel, porém, ao longo da noite, ele se liberta e finaliza Eros do modo mais poético e profundo possível, levando a audiência a refletir sobre o que ela mesma está prendendo dentro de si, que está a todo volume gritando para sair.
Com distribuição da Fistaile, Eros estreia nos cinemas nacionais na data oportuna de 12 de Junho, dia dos namorados.
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