Crítica
A Herança | Espetáculo é impactante e contundente
Wagner Corrêa de Araújo analisa o espetáculo
Publicado
2 semanas atrásem

Inspirada na conexão metafórica da trama ficcional do romance de E. M. Forster “Howards End” e do enredo dramatúrgico de Tony Kushner para “Angels in America”, a extensiva trajetória em duas partes da peça “A Herança”, alcançou um emblemático êxito, desde a sua estreia londrina, em 2018 no West End, à sua representação no circuito da Broadway, no ano seguinte.
Da lavra de um conceituado dramaturgo e roteirista da última geração americana – Matthew López – a peça chega finalmente aos palcos brasileiros graças ao corajoso empenho e ao ideário dúplice do ator Bruno Fagundes e do diretor Zé Henrique de Paula. Reunindo doze atores e uma atriz a uma dezena de outros participantes, estes em performances mais figurativas, com a acurada tradução e a luminosa direção concepcional de Zé Henrique de Paula.
Potencializando, via sua narrativa teatral, um expressivo e pungente retrato dos embates da comunidade gay em suas lutas de afirmação libertária pela prevalência da livre identificação sexual. Das árduas conquistas pelo reconhecimento social aos desafios de sua retomada, pós onda derrotista causada pelo preconceito à causa do pesadelo da AIDS, a que se nominou, em caráter depreciativo, de “câncer gay”.
O substrato de “A Herança”
Tendo como substrato conceitual subliminar os conflitos da intolerância moral na Inglaterra 1910 (em Howards Ends) através de personagens protagonistas que se transmutam em aproximativa similaridade dialogal com aqueles de A Herança. Enquanto há o referencial de “Angels in America” no incisivo pânico causado pela “peste” mortal anos 80/90 com o surto do HIV. E ainda capaz de fazer ecoar riscos de retrocesso especular nos avanços de hoje do coletivo LGBTQIAPN+.
Na originalidade de um processo cênico que se desenvolve por intermédio de uma espécie de oficina de criação literária/dramatúrgica possibilitando uma intervenção alterativa de cada um dos 12 atores, com sugestionamentos personalistas no entorno da trama, tornados cada um deles simultâneos narradores e personagens. Inicializado pelo alterego do escritor E.M.Forster, no papel guia assumido, em cativante envolvência, por Marco Antônio Pamio.
“A Herança” provocativa
Numa ambiência cenográfica (Zé Henrique de Paula) minimalista em que a caixa cênica é preenchida durante o longo percurso das duas partes pelo presencial no palco da maioria dos atores, entre ocasionais entradas e saídas. Caracterizados por figurinos cotidianos (Fabio Namatame), vazados efeitos luminares (Fran Barros/Tulio Pezzoni) e com incidentais acordes sonoros, ora de temas impressionistas ora com citações melódicas de época (sempre com o peculiar acerto das trilhas de Fernanda Maia).
Onde cada espectador vai se identificando com a imbatível competência atoral imprimida aos personagens delineados num dimensionamento de maior protagonismo, a começar pelo sensitivo Eric (Bruno Fagundes com o emocional à flor da pele sob carismática convicção), como um jovem judeu intelectual de classe média, e seu conturbado namorado Tob (Rafael Primot) na ascendente celebridade como dramaturgo.
E que, em sua volatilidade, acaba cooptado pelo apelo sensual do ator Adam (André Torquato), por um possível papel em sua próxima peça. Este último também em atuação alterativa como Léo, um garoto de programa, na instantaneidade das aventuras erotizadas por dinheiro, sendo assediado pela compulsiva solidão de Tob. Destacando-se ambos por uma instigante psicofisicalidade em seus respectivos personagens.
Lágrimas e emoções
Aparecendo também um casal vizinho, o mais velho no caso de Walter (em papel sentimentalizado por Marco Antonio Pamio) e o de maior aparência atlética Henry (por um mais racionalizado Reynaldo Gianecchini), exercendo o primeiro uma profunda ascendência reflexiva sobre Eric ao revelar seu afetivo acolhimento numa casa de campo a doentes terminais de AIDS. Enquanto Henry, o empresário de espírito mais prático, com a súbita morte do companheiro, acaba assumindo-se como restrito partner amoroso de Eric.
Com duas passagens provocativas ao final de cada uma das partes capazes de transtornar até as lágrimas o mais resistente e acomodado espectador heterossexual, ou indo mais longe, no toque de qualquer coração insensível de algum imprevisto homofóbico que estiver por ali.
Impactante na patética e crua veracidade do monólogo de Walter/Forster (M. A. Pamio) pranteando os mortos condenados pela sentença terminal da Aids, na primeira parte. Ou no epílogo da peça, o melancólico complexo tardio da culpa de uma atormentada mãe e zeladora da casa/abrigo (na comovente atuação de Miriam Mehler) por não aceitar a condição gay de seu filho até que este também se tornasse outra vítima fatalista da doença.
Transmutando-se tudo na integralização de um retrato sem retoques do legado conceitual para um Cânone Gay, numa América em três tempos. Explicitado aqui na simbologia, em compasso de transe, da própria sinalização titular da peça como “A Herança”, conferida à peça por seu autor. Que conecta a maldição de um passado devastador a um presente de resiliente combate à hostilidade, mostrando o Século XXI com um olhar questionador, armado na perspectiva de que poderia, enfim, ser mais promissor, quem sabe, este incógnito futuro…
Serviço:
‘A Herança’ no Rio de Janeiro
Estreia: 14 de setembro
Local: Teatro Clara Nunes (R. Marquês de São Vicente, 52 – Gávea, Rio de Janeiro)
Parte 1: Quintas e Sábados
Parte 2: Sextas e Domingos
Compre aqui: Sympla
*Essa crítica teatral é uma parceria entre Vivente Andante e o blog Escrituras Cênicas
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Crítica
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Publicado
11 horas atrásem
3 de outubro de 2023Por
paty2606
Nia Produções Literárias nasceu em 2015. Veio de um desejo muito particular de levar literatura infantil com protagonismo negro a lugares não convencionais e assim alcançar um público que precisava, mas não conseguia ter acesso de forma “convencional” a essa literatura. Nia significa propósito, e com esse proposta que ela se sustenta por todo esse tempo (que parece ser pouco, mas só quem vive de empreender sabe o que cada dia a mais significa). Tatiana Oliveira, é a responsável pela curadoria dos livros editados pela Nia.
Vamos falar do livro “Isto é Amor!”. Obra da querida e renomada autora Sonia Rosa.
O livro apresenta ilustrações de Sandra Ronca, que não pecou. Podemos dizer que Sandra usou de toda sua aquarela em tons pastéis para ilustrações delicadas e que fazem bem aos olhos, posso dizer que uma das mais belas vista por mim.
Suavidade é o termo certo, mas que deixam as crianças conectadas.
Posso afirmar isso, pois li a história para crianças autistas no Museu de Arte Moderna, as crianças se encantaram com os corações e as demais figuras.
É possível entreter as crianças com as ilustrações do livro, em suas páginas, como já dito, notamos que as personagens trafegam em espaços diferentes, e também contém objetos que crianças em desenvolvimento da fala terão oportunidade de aprendizado, o que julgo importante, dependendo da fase que estão.
A gramatura do livro, das folhas, descartam a ideia de um livro simplório, se bem que nenhum livro é simplório, afinal são deles que adquirimos a maior riqueza da vida, o saber. Então posso dizer que temos um livro corpulento, que inclusive serve como um excelente presente de aniversário, de natal ou dia das crianças, afinal estamos em outubro e nada mais justo que incentivar a leitura dos pequenos. Mais que isso, aproximar-se, contar histórias, criar enlaces, que ficarão para a vida, na memória de cada criança.
O livro é mesmo um mimo, visita às estações do ano, permeia na escola, festa, praia, além de mencionar as frutas, tudo isso para falar sobre o amor.
Embora a autora tenha livros que abordem as relações étnicas-raciais, no livro Isto é Amor! Ela trouxe a ilustração de personagens negros somente, a história é aquela que todos conhecemos, ou quase todos, afinal falamos de um Brasil precário, em reconstrução, nem todas as crianças têm acesso à escola, alimentação sadia e infelizmente aos direitos que as cercam, os que estão no Estatuto da criança.
O livro faz entender o amor em amamentar, e tudo aquilo que nos leva a infância, como bolos, a presença da avó, banhos de mangueira, tudo simples e que cabe no bolso de qualquer pai e mãe. Isso é importante, não cria uma ilusão que para o amor é preciso tanto, o impossível para alguns pais. O que torna a leitura democrática. Curti bastante esse cuidado!
Esse livro foi criada para crianças negras? Já que as brancas não estão nas ilustrações? Claro que não! Eis aí um excelente momento de interatividade da criança e aquele que está lendo para elas, se for o caso.
Durante a contação de histórias, com crianças com síndrome de Down e autistas, em nenhum momento elas fizeram comentários, me fazendo perceber, que o racismo é coisa de adulto mesmo!
Caso as crianças questionassem, eu colaria fotos deles, da avó deles, ou abriria espaço para eles criarem os seus autorretratos, ao lado dos personagens, porque o que vale mesmo é que eles entendam que viverão em uma sociedade miscigenada, onde os direitos obrigatoriamente devem ser os mesmos para todos.
A saber, Sonia Rosa é carioca, mestre em Relações Étnicos-Raciais pelo Cefet/RJ, pedagoga, professora e contadora de histórias. Sua obra literária é repleta de personagens negros em protagonismo. Em 2020 comemora 25 anos de carreira, com mais de 50 títulos, sendo o primeiro “O Menino Nito”. Já recebeu alguns prêmios pela FNLIJ, inclusive o Altamente Recomendável. Alguns dos seus livros “visitaram” o Catálogo da Feira de Bolonha – maior evento de Literatura Infantil do mundo. Tem livros editados na França, países africanos de língua francesa, Itália, Galícia, México, Canadá e Estados Unidos. Dez bibliotecas levam o seu nome.
Para comprar: https://www.nialiteratura.com.br/product-page/isto-%C3%A9-amor
Por fim, leia mais:
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Paty Lopes e o Livro Infantil: O dia em que descobri o que é o Axé
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