Dirigido por Billy Wilder, Fedora é um espelho de Crepúsculo dos Deuses, tanto em questão técnica, quanto narrativa
Existem poucos cineastas tão relevantes para o cinema quanto Billy Wilder, afinal, mesmo em suas comédias românticas como Se Meu Apartamento Falasse (1960, Billy Wilder), o diretor polonês conseguia construir relações, e diálogos, com maestria. Com uma filmografia que passa por diversos gêneros, como noir, drama, comédia, guerra, entre outros, todos apresentam um filme, ou cena, do diretor que guardam mais perto do coração. No meu caso é o final de Quanto Mais Quente Melhor (1959, Billy Wilder), um dos finais mais memoráveis da história do cinema, porém, mesmo os seus filmes mais desconhecidos são verdadeiras pérolas, como é o caso de Fedora.
Este relançamento de Fedora, faz parte da mostra Amor Ao Cinema, uma realização do Sesc São Paulo, que inclui grandes produções como Os Sonhadores (2004, Bernardo Bertolucci), Tangerine (2015, Sean Baker), o documentário Meu Nome é Alfred Hitchcock (2024, Mark Cousins), entre outros filmes que podem ser encontrados até o dia 21 de Maio, na plataforma do Sesc Digital, e em diferentes horários no Cine Sesc.
A produção conta a história de Dutch, um produtor independente, que vai até uma ilha isolada perto de Corfu, com o objetivo de reencontrar uma grande atriz reclusa chamada Fedora, buscando oferecer um papel que seria o seu grande retorno às telas, porém, ao chegar lá, Dutch começa a suspeitar sobre a identidade da atriz que conheceu tantos anos atrás.

Marthe Keller e William Holden em Fedora- Divulgação United Artists
Em seu penúltimo filme, Billy Wilder retoma a parceria com William Holden, após sucessos como Crepúsculo dos Deuses (1950, Billy Wilder), Inferno nº 17 (1953, Billy Wilder) e Sabrina (1954, Billy Wilder), porém, diferente de seus papéis anteriores, em Fedora, Holden se encontra mais livre, apresentando maiores fragilidades em seu papel, tanto por conta de sua idade mais avançada, e amadurecimento como ator, e ainda mais importante, pelas mudanças estéticas que ocorreram na própria ideia do que se é fazer cinema, e que influenciaram a construção de seu personagem.
Billy Wilder dominou a Era de Ouro de Hollywood, para qualquer estudante do cinema clássico, este é um período essencial, porém, com o passar dos anos, novos movimentos foram surgindo que apresentavam outras prioridades, ou, como Dutch diz: “As crianças com barba tomaram conta. Eles não precisam de roteiros, somente dê para eles uma câmera na mão e uma lente zoom”.
A escolha do Sesc São Paulo de incluir Fedora em sua mostra, é um acerto, afinal, além de ser uma produção em que o cineasta analisa o seu próprio tempo, e como ele mesmo está se tornando ultrapassado após mudanças significativas trazidas pela Nouvelle Vague, pelo Neorrealismo Italiano e pela Nova Hollywood, a produção aborda diversos temas como a busca eterna pela juventude, a falência do star system, a falta de oportunidade para atrizes mais velhas, entre outros temas que foram abordados em Crepúsculo dos Deuses (1950, Billy Wilder), e subvertidos em Fedora.
Enquanto Crepúsculo dos Deuses se inicia com a morte do personagem de Holden e segue o filme a partir daí, Fedora se inicia com a morte da personagem homônima, e se desenvolve a partir das questões que levaram ao seu suicídio, entre elas a parcela de culpa que Dutch apresentou. O grande twist da produção, elaborada no terceiro ato por meio de um longo e didático flashback, é que não foi Fedora que morreu, e sim sua filha, transformada em uma sósia da mãe com o intuito de manter viva a imagem da atriz, mesmo quando ela mesma se encontra incapaz de retornar às telas.
No filme de 1950, Norma Desmond era uma atriz gloriosa do cinema silencioso, que deseja um retorno na Era de Ouro. Já Fedora, foi uma atriz gloriosa na Era de Ouro que deseja um retorno neste novo cinema em ascensão, esta é uma das maiores diferenças entre ambas. Norma Desmond apresenta muito rancor e desprezo, afinal, ela foi rejeitada pela indústria sem ter nem mesmo um direito de réplica, já Fedora, em sua busca eterna por juventude e beleza, sofre as consequências estéticas por esta busca, sendo obrigada a se ausentar dos holofotes que tanto amava.
Perto do final do filme, Fedora diz uma frase que resume bem a ironia mordaz que Wilder transmite com a produção: “as pessoas se apaixonam pelo rosto que veem na tela. O resto não importa”. Algo que o diretor viveu na pele ao trabalhar com ícones difíceis como Marilyn Monroe.
Ficando cansativo em certos momentos por conta das mudanças temporais envolvendo os flashbacks, Fedora pode não ser a melhor produção de Wilder, porém, mesmo um filme “menor” do diretor, é melhor do que muitas produções, e o olhar sobre a própria carreira, e os avanços em mudanças do próprio cinema, trazendo uma aceitação que o seu próprio tempo passou, é profunda demais para ser deixada de lado de maneira tão leviana, demonstrando a importância que o filme apresenta.

Pôster Oficial de Fedora-Divulgação United Artists
A mostra Amor Ao Cinema vai até o dia 21 de Maio. A programação completa pode ser encontrada no site do Cine Sesc.
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