A espetacular natureza e seu tempo único sobre o qual não temos controle. O filme iniciou trazendo essa reflexão para mim. É tudo extremamente contemplativo. Assim é Il Buco (2021). Estamos na Itália, em 1961. Vemos que no norte moderno, o edifício mais alto da Europa está sendo construído. Por outro lado, no sul, jovens espeleólogos estudam a caverna mais profunda do continente, situada no interior da Calábria. Talvez eu esperasse um filme meditativo, como alguns críticos chamaram, mas não diria que foi isso que encontrei.
Ao mesmo tempo em que traz planos abertos esplêndidos, que nos colocam em meio a uma imensidão cativante, o filme também tem um poder claustrofóbico e nos coloca dentro do Abismo do Bifurto. São pontos muito positivos e o cineasta Michelangelo Frammartino tem uma visão poética. Os closes no senhor, e a forma como vemos suas rugas e expressões, tem uma beleza incomensurável. Cada ruga é uma vitória e tais marcas contam histórias que só nos resta imaginar.
O filme acaba por falar do tempo que se vai. No início temos pessoas hipnotizadas vendo televisão e a construção do Belvedere, o tal edifício gigante. É o progresso. O contraponto é o senhor que se comunica com os animais através de sons e mora num casebre, o qual parece se fundir a paisagem.
Umidade
A abordagem desse cineasta é diferente, segue um estilo documental e deixa acontecer. Além disso, Renato Berta, o diretor de fotografia, tem que ser louvado, pois a cinematografia é belíssima, e desafiadora. Ele teve que encontrar um dispositivo que conseguisse lidar com a questão de luz e sombra e ainda por cima aguentar a umidade. Seu trabalho é primoroso.
Frammartino contrapõe o escuro do abismo para a claridade dos campos verdejantes em cortes secos. Pessoalmente, ficava esperando algo mais acontecer. Além do quão incrível toda a parte técnica é, aguardava algum acontecimento a mais.
Entretanto, a metáfora do sul antiquado, rústico, que parece começar a se despedir, é clara. Ciclos. O longa parece uma ode a espeleologia e a esse sul, essa Calábria rústica, de onde vieram os antepassados do cineasta. E os meus também. Sentia como se aquele senhor calabrês fosse um parente meu, um avô, assistindo a um novo tempo chegar enquanto se despede sob uma neblina espessa.
Vi Il Buco na 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2022 que ocorre em 20 cidades brasileiras de 28 de julho a 10 de agosto. Algum tempo depois do início da subida dos créditos, recebi uma mensagem. Era a foto da esposa de um amigo mostrando o teste de gravidez positivo. Os ciclos continuavam.