Dirigido por Laura González, Milonga apresenta a poderosa atuação de Paulina García em uma produção lenta, marcada por trauma, superação e pelas dificuldades de se reencontrar no mundo
Ao pensar em “filmes de personagem”, lembramos de histórias em que protagonistas falhos percorrem longas jornadas rumo à queda ou à redenção, sendo exatamente esse caminho que seguimos ao acompanhar Rosa, uma mulher solitária interpretada com grande precisão por Paulina García. Após tanto tempo sozinha e melancólica, Rosa é apresentada a uma inesperada chance de liberdade e amor, para logo percebe que antigos ciclos e traumas insistem em retornar, forçando-a a enfrentar escolhas profundas sobre a própria vida.
Com ritmo deliberadamente lento e contemplativo, Milonga se constrói como um filme que, à primeira vista, parece contido, porém, sua força se acumula discretamente até explodir nos momentos finais, quando a narrativa assume tons inesperados de thriller. O sentimento de agonia que brota não vem apenas do medo de Rosa de se abrir ao mundo novamente, mas da consciência de como essa abertura pode ser perigosa quando depositada em qualquer um.

Paulina Garcia em cena de “Milonga”- Divulgação Kaja filmes
A direção se apoia intensamente no silêncio e numa fotografia fria, quebrada apenas pelos instantes vibrantes de dança. O roteiro, minimalista e realista, funciona como o verdadeiro motor do filme, estruturando uma narrativa que oferece pequenas pistas de um quebra-cabeça sobre o passado de Rosa: por que ela vive isolada, o que a levou a visitar o filho na prisão e quais feridas ainda moldam seu presente.
A partir desse mistério, acompanhamos sua lenta tentativa de reconstruir a alegria, seja pela possibilidade de um novo amor, seja pela descoberta libertadora da dança, passando de uma posição emocional negativa, para o vislumbre de um novo sonho, que rapidamente é desmoronado, levando o espectador de volta a uma realidade crua e sem adornos, mas com resquícios de esperança.
Ao evitar tanto o conto de fadas lúdico quanto o drama excessivo, Milonga se assume como uma jornada realista, e, sobretudo, comum à vida de muitas mulheres, fugindo dos clichês associados a histórias de trauma e usando o particular de Rosa para alcançar uma dimensão mais ampla, oferecendo uma experiência empática e universal.
Rosa é, acima de tudo, uma boa pessoa. Ela enxerga o melhor nos outros, mesmo quando não recebe acolhimento em troca, nem mesmo do filho. Por isso, sua jornada é solitária do começo ao fim, e ao final, não somos agraciados com um desfecho completamente fechado, deixando um senso de esperança: a sensação de que, apesar das dores, as coisas podem encontrar um novo caminho.

César Trancoso em cena de Milonga- Divulgação Kaja Filmes
Em termos de ritmo, o segundo ato é o trecho mais problemático. Prolongado e arrastado, ele reforça um sentimento de marasmo que não contribui para o avanço dramático. Contudo, tudo ganha fôlego quando Juan revela sua verdadeira face, trazendo a dose necessária de tensão que impulsiona o filme até seu clímax, sendo a interação final entre Rosa e seu filho a peça chave para entendermos toda a jornada emocional da protagonista.
Ao final, Milonga reafirma a força do cinema latino-americano contemporâneo. Mesmo quando se arrasta, o filme respira sensibilidade plano a plano, convidando o público a refletir sobre os caminhos que deixamos de seguir, seja por medo dos traumas, seja pela crença de que não somos fortes o bastante, sugerindo no fundo que muitas vezes o único obstáculo que realmente nos impede de seguir em frente somos nós mesmos.
Distribuído pela Kajá Filmes, Milonga estreia nos cinemas em 18 de dezembro.
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