Dirigido por Lynne Ramsay, Morra, Amor se perde dentro da narrativa estonteante sobre medos, traumas e reflexões da maternidade
No 26º Festival do Rio, em 2024, assisti à Bruxas (2024, Elizabeth Sankey), um documentário produzido pela Mubi, que constrói paralelos entre a depressão pós-parto e as representações de bruxas na cultura cinematográfica e literária, reunindo depoimentos diversos que trazem luz às dores e pensamentos obscuros que muitas mulheres sentem, mas que ainda são pouco discutidos abertamente.
No 27º Festival do Rio, coincidentemente, ou não, o fato se repete: uma nova produção da Mubi também se debruça sobre a depressão pós-parto, porém, desta vez de forma ficcional e extremamente alegórica. Dirigido e roteirizado por Lynne Ramsay, Morra, Amor, opta por não abordar o tema de forma clássica e sim de modo simbólico e surrealista, construindo uma experiência sensorial e fragmentada que evoca às loucuras de David Lynch.
A fotografia em formato quadrado, saturada de tons verdes, azuis e verde-água, imprime uma aura onírica e não realista, perfeita para um roteiro que salta entre linhas temporais como se fosse um jogo, deixando ao espectador a tarefa de montar o quebra-cabeça narrativo e seus vários subtextos que não conseguem ser captados todos em somente uma assistida, afinal, o tema é denso demais para isso.

Jennifer Lawrence e Robert Pattinson em cena de “Morra, Amor”- Divulgação Festival do Rio
Curiosamente, Morra, Amor não menciona explicitamente a depressão pós-parto, se manifestando nos medos, na raiva e nos sentimentos contraditórios de Grace, interpretada por uma Jennifer Lawrence em um dos papéis mais intensos de sua carreira. Iniciando como uma mulher que se demonstra extrovertida e alegre, e lentamente se transforma em uma mulher cada vez mais angustiada e amargurada com as situações ao seu redor, inevitavelmente remetendo à Mãe! (2017), de Darren Aronofsky, um filme impossível de esquecer e que coloca Jennifer em situação semelhante.
Visualmente, Morra, Amor é um espetáculo, apresentando planos inventivos e uma mise-en-scène exemplar, revelando a dor e os sentimentos mais íntimos dos personagens, porém, a escolha de Ramsay por uma estrutura mais próxima de Cidade dos Sonhos (2001), de Lynch, e da visceralidade de Aronofsky, faz o filme perder o equilíbrio entre o sensorial e o narrativo, algo que obras mais clássicas como Tully (2018, Jason Reitman), souberam dosar com maior leveza e controle temático.
Conhecendo a filmografia de Lynne Ramsay, o foco na maternidade não surpreende, já tendo explorado o tema em Precisamos Falar Sobre o Kevin (2012), porém, agora o elevando à décima potência. O filme começa como o retrato de um casal apaixonado, Grace, Lawrence, e Jackson, Robert Pattinson, para gradualmente se transformar em uma espiral de ressentimento e dor, à medida que o nascimento do filho desestrutura o vínculo entre eles. Quando Pattinson desaparece por boa parte do segundo ato, Ramsay concentra o olhar em Grace e em seus traumas, e esta loucura apesar de inicialmente interessante, cansa por meio de uma repetição de dores e traumas.

Jennifer Lawrence em cena de “Morra, Amor”- Divulgação Festival do Rio
Os simbolismos são constantes, como o misterioso homem de motos, mas o filme prefere sugeri-los ao invés de explicá-los, resultando em uma experiência que nos faz sentir a agonia e o desespero de sua protagonista, ao invés de realmente compreende-la em suas camadas. Ao contrário da simplicidade emocional de Tully, Morra, Amor aposta na intensidade e na contemplação: uma obra de arte visualmente arrebatadora, mas que, ao fim, será lembrada mais pela forma do que pelo conteúdo.
Com distribuição da Paris Filmes em parceria com a Mubi, Morra, Amor estreia nos cinemas no dia 27 de novembro.
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