Dirigido por Michele Mally, Munch – Amor, Fantasmas e Vampiras apresenta um retrato humanista e honesto da vida conturbada de um dos maiores artistas do expressionismo
Logo nas primeiras imagens, com uma frase de Hamlet, discussões sobre tempo, e imagens de uma Noruega rica em neve e decorações natalinas, percebemos como a produção de Michele Mally se diferencia de outros documentários de arte, como Picasso – Um Rebelde em Paris (2025, Simona Risa). Sua abordagem é menos técnica e mais humana, concentrando-se nas relações entre a vida emocional de Munch e a forma como seus sentimentos, traumas e medos foram transpostos para a pintura, e a partir desse panorama biográfico, é construido um retrato mais tangível, e empático, da trajetória do artista.
Embora haja espaço para questões técnicas, sobretudo no ato final, que retrata seus últimos anos antes de morrer de pneumonia, a produção de Mally se apoia fortemente em histórias e elementos de contos de fadas e do folclore da norte da Europa, construindo uma atmosfera gótica e de terror que permeia grande parte da produção.
Essa escolha transporta o espectador a uma Noruega fria, intimidadora e paradoxalmente acolhedora, construindo um paralelo entre a infância de Munch na virada do século XIX para o XX e a cidade contemporânea, com este paralelo sendo costurado pela narração de Ingrid Bolsø Berdal, que em certos momentos adota um tom quase trovadoresco como uma verdadeira contadora de histórias e fábulas, trazendo um maior dinamismo para a produção.

Ingrid Bolsø Berdal em cena de “Munch: Amor, Fantasmas e Vampiras”
Quando o filme mergulha nos aspectos góticos e intimistas da vida do artista, sua criação em um ambiente profundamente religioso e medieval, permeado pelo medo e um rígida família, tecnicamente são seus pontos mais fortes. Ao abordar o temor de Munch em relação às mulheres e seu fascínio por figuras fantásticas como sereias, vampiras e espíritos, seres que o acompanharam ao longo de toda a vida, o documentário atinge uma fluidez rara, principalmente quase se soma à fotografia de atmosfera natalina, fazendo uma mistura singular entre conforto e abjeção, uma união que reflete o próprio universo emocional de Munch.
Como sugere o título, a produção concentra-se nos amores, fantasmas e vampiras que assombraram o pintor norueguês, e em como sua obra serviu como exorcismo para esses demônios. Os relatos das mulheres de sua vida, simultaneamente alívio e recordação de sua existência sofrida, conferem leveza e engajamento ao filme. Essas figuras emergem como representações do sagrado feminino: mulheres livres e potentes, capazes de cativar por puro magnetismo, verdadeiras vampiras arquetípicas que são representadas em suas pinturas, porém, quando o documentário se afasta dessa dimensão folclórica e mergulha em análises excessivamente técnicas, perde parte de sua força, oferecendo um retrato mais frio do que aquele que um artista de sensibilidade tão visceral mereceria.

Cena de “Munch: Amor, Fantasmas e Vampiras”- Divulgação Autoral Filmes
As reflexões sobre o feminino, o uso de imagens de época, as meditações sobre tempo e o recurso à ficção, como no episódio do fim do relacionamento entre Tulla e Munch, ampliam o retrato do pintor de maneira muito mais íntima do que a análise formal de seus métodos. É nessas passagens digressivas que o público se perde e passa a esperar ansiosamente o próximo “conto de fadas” que ilumine a jornada homérica do atormentado e genuíno artista que foi Edvard Munch, e como sua arte se destaca no museu Munch, mostrado nos créditos finais, justamente por sua potência e grandeza não somente por sua potência como artista, mas como humano.
Distribuído pela Autoral Filmes, Munch – Amor, Fantasmas e Vampiras estreia nos cinemas em 11 de dezembro.
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