Existe uma obsessão coletiva com o subtexto dos filmes, o que atrapalha na apreciação da obra em si. Tentar escavar um significado e simbolismo acaba por estragar a graça de ver o filme. Nem tudo simboliza algo e tem um conceito oculto. Por pouco não cometi esse erro ao digerir O Homem que Surpreendeu a Todos.
É necessário afirmar que O Homem que Surpreendeu a Todos é quase universal nos seus temas. Um homem que tenta fugir da sua realidade imediata enquanto seu ambiente lhe esmaga brutalmente. Não apenas a sua família como sua realidade toda converge contra o protagonista.
Voltando ao subtexto, existe a possível metáfora da transexualidade, talvez até uma alegoria sobre a Metamorfose de Kafka, mas isso me parece forçado. Tentar achar cabelo em ovo aqui é fútil, já que as implicações de se interpretar essa história são infinitas. Só nos resta aceitar O Homem que Surpreendeu a Todos pelo que é, uma história de derrota, com uma sucessão de desavenças incidindo sobre uma pessoa em desespero.
Aceitar a dor
Egor, nosso protagonista, é mais uma vítima das circunstâncias do que qualquer outra coisa. Ele tenta cumprir com as suas obrigações enquanto pai, marido e guarda, mas o ponto de ruptura chega e não há o que fazer além de capitular. Entretanto, sua obstinação em aceitar a morte pacificamente é o catalisador de O Homem que Surpreendeu a Todos. Egor abre mão da sua identidade, sua família, sua comunidade, todo o respeito que tinha em nome de tentar viver.
Estética, musical e tecnicamente não há o que reclamar de O Homem que Surpreendeu a Todos. O filme é belo, bem fotografado e dotado de uma aura palpável de tristeza. O ambiente solitário da taiga russa, da comunidade rural, do mercadinho deprimente, tudo isso ajuda a manter um clima consistente. De longe, um dos melhores momentos é a “festa” na comunidade; populada com fazendeiros rústicos e esposas cansadas, você entra num ambiente agressivo, tradicional. A surrealidade da situação é quase cômica de tão absurda, mas a realidade da mesma não permite nenhuma risada.
Assim, O Homem que Surpreendeu a Todos é sobre sobreviver, e aceitar as consequências das suas ações e tentar viver com as suas escolhas.
*O Homem que Surpreendeu a Todos pode ser visto no 1º Festival de Cinema Russo – Russian Film Festival, que vai de 10 a 30 de dezembro, na plataforma Spcine Play com exibições gratuitas
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