“No fundo, todos sentiam falta de espaço para as narrativas femininas e sabiam que, neste mundo tomado por distopias cada dia mais incompreensíveis, falar de amor e de afeto é um ato radicalmente necessário.”
Esse é um trecho do posfácio do livro “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”, de Clarice Lispector, escrito por Marcela Lordy, diretora de “O livros dos prazeres”, filme que estreou nos cinemas no dia 22 de setembro. E resume bem o tema do longa: é uma história sobre amor e afeto, seja pelo outro, seja por si mesmo. Principalmente por si mesmo.
Investigação de si
O longa, inspirado livremente no livro de Clarice, conta a história que a escritora narrou em 1969, porém se passa nos dias de hoje. Lóri (Simone Spoladore) é professora e vive uma vida de monotonia e relacionamentos furtivos até que conhece Ulisses (Javier Drolas). Professor de Filosofia e provocador, ele instiga Lóri a olhar pra si e se transformar.
Assim como no livro de Clarice Lispector, o longa é um mergulho na intimidade de Lóri. O espectador começa na superfície e, a medida que o tempo vai passando, ele vai adentrando por seus sentimentos, sensações, pensamentos e alma. O melhor nisso tudo é que ele faz isso junto com a personagem, que vai, aos poucos, conhecendo mais sobre si. É um filme absolutamente intimista e, nisso, a diretora conseguiu espelhar muito bem o estilo de Clarice.
As imagens ajudam o leitor a fazer o mergulho. Por vezes desconexas e entremeadas, elas vão ficando mais nítidas a medida em que Lóri vai ganhando noção sobre si. Quanto mais ela vai se permitindo ser quem é, com ela e com os outros, as cenas vão ganhando mais tempo também. É a materialização do sentimento na tela. A atuação de Simone é outro fator que auxilia quem assiste a entender a personagem. Contida até nos momentos em que a protagonista está mais entregue fisicamente, ela demonstra exatamente o momento interno de Lóri.
A condição da mulher
O livro de Clarice foi escrito em uma época em que tudo era mais difícil para as mulheres. Hoje em dia já lhes é permitido algumas coisas que então, na década de 60, não eram, como o sexo por prazer, por exemplo (há ressalvas nesse ponto, pois sabemos que elas continuam sendo julgadas, mas já há melhorias). Porém, às mulheres ainda são cobradas algumas atitudes que lhes pressionam. Podemos observar isso no filme, e como Lóri luta para fazer diferente. Luta contra todo um sistema de opressão. E ao lutar contra esse sistema, acaba fugindo para longe de si. Se identificam, mulher?
Contudo, esse não é um filme triste. Não é um filme de desesperança. É um filme que mostra que, apesar de todas as dores e feridas, é possível se reerguer e ser feliz. Porém, não sem pausas, não sem análises, e não sem pessoas. Mas não se escorando nelas, e sim vivendo lado a lado.
Para finalizar, fique com o trailer do filme “O livro dos prazeres”.
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