Dirigido por Lotfy Nathan, Sombras no Deserto se inspira em um apócrifo da Bíblia para construir um ousado twist de horror sobre a história de Jesus.
Diante da forte e autoritária presença da Igreja Católica ao longo dos séculos, o subgênero do terror cristão se tornou um dos mais intrigantes e férteis do cinema, capaz de utilizar símbolos e temas religiosos para gerar medo, explorar a fé e revisitar a eterna luta entre o bem e o mal. Obras como O Exorcista (1974, William Friedkin) já abordaram a perda e o reencontro da crença; Mãe! (2017, Darren Aronofsky) explorou a narrativa bíblica por meio de alegorias com os tempos modernos. Enquanto Sombras no Deserto, por sua vez, opta por subverter a história sagrada, inserindo nela uma visão pessoal e perturbadora.
Assim como aconteceu com Dogma (1999, Kevin Smith), Sombras no Deserto enfrentou polêmicas antes mesmo de sua estreia. Setores conservadores o enxergaram como uma blasfêmia, um ataque direto à figura de Cristo. Para evitar maiores controvérsias, o filme evita mencionar nomes bíblicos, substituindo “José”, “Maria” e “Jesus” por “O Carpinteiro”, “A Mãe” e “O Garoto”. Ainda assim, as semelhanças são evidentes, desde as premonições da crucificação até o símbolo do santo sudário, mantendo viva a tensão entre fé e heresia.

Noah Jupe e FKA Twigs em cena de “Sombras No Deserto”- Divulgação Imagem Filmes
Baseado no apócrifo Evangelho da Infância de Tomé, texto rejeitado pela Igreja, Nathan costura referências a outras passagens e figuras bíblicas, compondo um mosaico de fé, culpa e redenção, e embora muitos o acusem de irreverente, a obra culmina em uma mensagem poderosa sobre perdão e espiritualidade.
Nicolas Cage interpreta O Carpinteiro com intensidade: um pai violento que tenta manter o filho puro por ser o suposto salvador escolhido por Deus. Seu personagem é movido por medo e desespero, escondendo sob a agressividade uma profunda crise de fé, equilibrando ternura e brutalidade, sendo um homem que ama, mas não sabe amar, em contrapartida, FKA Twigs, como A Mãe, é subaproveitada, permanecendo passiva por grande parte da narrativa e explodindo apenas em uma cena de grande impacto, com sua presença frágil e silenciosa reforça o tom trágico da história.
O verdadeiro destaque, porém, é Noah Jupe. Como O Garoto, o jovem ator entrega uma performance impressionante, traduzindo o conflito de um semideus em crise de identidade. Dividido entre fé e liberdade, Jupe transmite com sutileza a dúvida e o medo de quem carrega um poder que não compreende. Sua relação com o pai e a tentação de Satanás, Isla Johnston, dá origem a um embate ético sobre pureza e autonomia, um reflexo da fragilidade humana diante do divino.
Com uma recriação de época meticulosa e uma trilha sonora densa, centrada em cordas, sopros e percussão, Sombras no Deserto constrói um clima de opressão e mistério, se iniciando com um parto angustiante e mostrando a brutalidade de Herodes, antes de saltar quinze anos no tempo, mostrando a família isolada em um deserto árido. A tensão cresce gradualmente: A Mãe se retrai, O Carpinteiro se torna cada vez mais violento, e o filho compreende a dimensão de seu poder, enquanto é tentado pela dúvida e pela falta de consciência para com seus próprios poderes. O terceiro ato é intenso, embora um pouco arrastado, privilegiando longos diálogos filosóficos, e alegorias visuais, em detrimento da ação, que explode somente nos minutos finais.

Isla Johnston em cena de “Sombras No Deserto”- Divulgação Imagem Filmes
Ao final, Sombras no Deserto se revela menos um filme de terror sobre o demônio e mais um drama teológico sobre o peso da fé. Não tendo medo de demonstrar a violência gráfica e simbólica, marcada por sangue, doenças e tentação, mas com uma mensagem forte sobre o medo humano diante do sagrado. Quando O Garoto escolhe o perdão em vez da destruição, o horror se transforma em redenção, e o mito de Cristo ganha um novo, sombrio e interessante capítulo.
Distribuído pela Imagem Filmes, Sombras no Deserto estreia nos cinemas no dia 13 de Novembro.
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