Dirigido por Michel Franco, Sonhos prometia ser o novo grande thriller erótico contemporâneo, mas o resultado é um filme que tropeça em sua própria ambição
Tão presente na segunda metade do século XX, o cinema erótico fascinava plateias com produções como Instinto Selvagem (1992, Paul Verhoeven) e Emmanuelle (1974, Just Jaeckin), trazendo, cada uma à sua maneira, explorações que usavam a sexualidade como força narrativa, reflexo de um tempo em que o desejo era tema central do imaginário popular. Com o avanço da pornografia explícita, as novas discussões sobre gênero, e uma indústria cinematográfica cada vez mais cautelosa e mercadológica, o gênero praticamente desapareceu. O que restou foram tentativas esparsas de ressuscitá-lo, como o insosso Águas Profundas (2022, Adrian Lyne) e agora Sonhos, que repete os mesmos erros de forma ainda mais contida.
A presença de Jessica Chastain eleva naturalmente as expectativas. Sua capacidade de transitar entre vulnerabilidade e poder faz dela a escolha perfeita para Jennifer, uma empresária milionária envolvida com Fernando, um dançarino mexicano de uma de suas companhias.
Ainda que menos experiente, Isaac Hernández entrega uma performance convincente, e juntos encontram uma química palpável, afinal, o erotismo nasce da sugestão, da tensão, do olhar que antecipa o toque, e Sonhos, apesar de compreender isso em momentos isolados, não sustenta este jogo até o fim.

Isaac Hernández e Jessica Chastain em cena de “Sonhos”- Divulgação Festival do Rio
Há uma cena que sintetiza o que o filme poderia ter sido: Jennifer, em conversa sedutora com Fernando, descreve como fariam sexo oral. Nada é mostrado, apenas insinuado, e ainda assim a sequência é muito mais intensa do que as cenas explícitas posteriores. Contudo, entre estes raros momentos de excitação, estende-se um longo e morno intervalo em que nada de verdadeiramente interessante acontece, ainda mais com a separação de seus protagonistas durante boa parte da narrativa, tornando o que deveria ser uma relação de poder e desejo em uma monotonia que o roteiro não consegue disfarçar.
O que há de mais promissor em Sonhos é o embate social entre Jennifer e Fernando: a mulher rica, branca e norte-americana, que apresenta desejo pelo homem pobre, latino e imigrante ilegal. Essa tensão de classe e privilégio poderia ter sustentado um drama erótico potente, mas o filme aborda o tema de maneira tímida, quase esquiva, apesar de cenas de sexo que não chegam ao ápice da década de 80, mas, ainda trazem algumas qualidades.
Quando Jennifer denuncia Fernando à imigração, numa tentativa paradoxal de se libertar e, ao mesmo tempo, mantê-lo preso a ela, o gesto afunda o filme em uma sombria realidade, destoando do tom inicial e culminando em um desfecho que incomoda e não traz a catarse desejada, com uma cena desnecessariamente crua e violenta, e outra rápida demais que serve somente para destruir qualquer esperança de sonho para o casal.

Isaac Hernández em cena de “Sonhos”- Divulgação Festival do Rio
Visualmente, o filme adota uma estética fria, principalmente quando o casal se encontra separado, com fotografia em tons de cinza e branco que isolam Jennifer somente com suas roupas perfeitas e óculos de sol. A direção de arte é impecável, especialmente nos figurinos da filantrópica, traduzindo a dualidade entre o poder e a carência.
Ao final, Sonhos é um filme sobre desejo que não deseja, uma obra que pretende ser erótica, mas teme o próprio calor que poderia gerar, mantendo-se na paralela do seu potencial. Michel Franco constrói um invólucro para uma história que nunca desperta, se tornando mais uma crítica social do que a produção excitante que poderia ser, um sonho que, ao tentar ser real demais em seu retrato sobre relações de poder em um relacionamento, esqueceu-se de ser sensual.
Distribuído pela Imagem Filmes, Sonhos foi assistido no 27º Festival do Rio, e chega aos cinemas brasileiros no dia 30 de Outubro.
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