De pai para filho é o novo longa do diretor e roteirista Paulo Halm. Com estreia na última quinta-feira, 8 de agosto, tem Juan Paiva e Marco Ricca nos papéis principais, além de Miá Mello e Valentina Vieira. No filme, Juan é José, que herda o apartamento – e as cinzas – de seu pai, Machado, após sua morte. Machado foi líder da banda Capa Preta, que fez sucesso muitos anos antes e fez com que o homem não fosse presente na vida de José.
Enquanto o filho lida com seu passado, ele conhece Dina, uma mãe solo, que luta para criar sua filha pré-adolescente, Kat, que tinha aulas de piano com Machado. Os três estão, de maneiras particulares, tentando lidar com o luto e com a vida. Aliás, os três não, os quatro, já que Machado também vem do mundo dos mortos de vez em quando dar um alô para o filho.
Quer entender melhor? Fique com o trailer:
Pontos positivos
É inegável que as atuações estão de arrasar. Juan Paiva já deixou bem claro que é um dos melhores atores de sua geração, e não deixa a peteca cair neste filme. A forma com que consegue equilibrar drama, episódios engraçados e até alguns momentos de fragilidade de José demonstra o quanto o ator é versátil, mesmo tão jovem.
Miá Mello pode impressionar os mais desavisados que estão acostumados a vê-la somente em papéis de humor. Inicialmente, sua Dina pode até parecer “doidinha”, mas ao longo da trama percebe-se o peso que a personagem carrega e Miá demonstra o cansaço no olhar. Seus olhos tristes entregam tudo o que aquela mulher vem arrastando pelos últimos anos e a força que ela tem que fazer para não desabar. É bonito ver a atriz se entregando ao extremo para essa personagem que representa tantas mulheres brasileiras. Muito importante, também, ter uma personagem como ela na trama, para reverenciar toda as mães que fazem tanto por seus filhos e por toda a sua família.
Atriz prodígio
Por fim, temos Valentina Vieira, a Kat, tão jovem e tão talentosa. Assistindo Valentina na tela é possível crer que ela já faz esse trabalho há décadas, apesar de ter apenas 12 anos na época em que o filme foi gravado. Atriz desde criança, a menina representa com facilidade o papel da “criança-mestra”, uma personagem tão comum nos filmes dos anos 90 e 2000, mas que hoje em dia não é mais tão comum. Sua Kat, além de ter sofrido uma tragédia na vida, precisa dar conta da mãe, que ainda não superou o fato, e agora, além disso, ainda serve como conselheira de seu novo vizinho, o José.
Valentina exibe tanta maturidade quanto a própria Kat na interpretação dessa mini-adulta. Talvez seja por ser muito parecida com a personagem, como a própria atriz confessou em uma entrevista para o Vivente Andante. Porém, com certeza, vem devido a tamanho talento da garota, que com certeza vai longe, caso escolha continuar na profissão.
Apego ao passado
Todos os personagens do filme demonstram certo apego ao passado. Machado vive, mesmo quando morto, de sua memória do sucesso com a banda Capa Preta. José segue ressentido com o pai e todas as suas atitudes são consequências desse abandono. Dina é apegada à tragédia que sofreu. Somente Kat, talvez pela pouca idade, anseia pelo futuro. E há vários elementos no filme que representam visualmente essa fixação pelo o que já foi.
Dina talvez seja a que tem menos representações visuais disso. Seu apartamento não apresenta modificações desde a época em que sua vida era boa. Vários objetos a fazem lembrar da época em que tudo fazia sentido. Já José tem muitos sonhos. Sonhos mesmo, quando dorme. E vive pensando na época em que seu pai o abandonou.
Tudo em Machado, todavia, liga-o ao seu passado. Seu apartamento é todo decorado com a estética dos anos 1980, época em que fazia sucesso com a Capa Preta. As roupas que usa são as roupas daquela época. A música que escuta é antiga. Mas será que esses elementos o farão voltar ao tempo que já passou?
Falando em música, a trilha sonora é cheia de artistas incríveis. Preste atenção enquanto assistir o filme.
Pontos negativos
Deixei os pontos negativos para o final porque, sinceramente, são bastante complicados. Quer dizer, um deles em particular. E depois de falar dele não haveria como voltar a um assunto bom. Então vamos a eles, os problemas do filme.
O primeiro é a inconsistência. Há algumas incongruências no roteiro que fazem até um espectador mais desatento sentir certa estranheza. Um exemplo: há um piano no filme que é um objeto bem importante. Há uma promessa em relação a ele. Mais para frente, há uma segunda promessa, destoante da primeira. A partir deste momento, não há como o público não pensar que existe um conflito e que este conflito precisará ser solucionado. Contudo, ele não é resolvido e nem ao menos se toca no assunto. Estranho.
Objetificação
O segundo problema é mais grave. Tem a ver com temática versus imagem. Ou seja, o que se passa na tela não condiz com a mensagem que o filme passa. Explico: um dos temas tocados no longa é como Dina é batalhadora, como mãe e como mulher. Ela é representante de produtos farmacêuticos e nos é apresentado como ela sofre machismo – e assédios – nessa profissão, o que é mais um grão no potinho de violências diárias que as mulheres sofrem. Isso é algo interessante de ser mostrado para o público perceber que a vida de Dina não é fácil. E também é uma crítica clara à sociedade machista em que estamos inseridos. Certo? Certo.
No entanto, indo totalmente de encontro a isso, há exposição totalmente desnecessária do corpo de Miá Mello. Há algumas cenas em que a atriz aparece somente de calcinha e sutiã. Contudo, somente uma dessas cenas há explicação lógica para o fato da personagem aparecer de lingerie, já que o fato ajuda a contar a história. Das outras vezes é total objetificação do corpo feminino para deleite dos olhos de quem assiste. Não é uma questão de moralismo, porque tudo bem nudez ou semi-nudez se tiver causa dramática. Mas, no caso, não há. Por que então colocá-la sem roupa se a cena teria o mesmo efeito se ela estivesse vestida?
Piora ainda mais quando a câmera explora o corpo de Valentina. Lembrando que a atriz tinha somente 12 anos na época, ela aparece de biquíni, mas a câmera mostra lentamente seu corpo. Impossível não sentir desconforto ao ver a cena. Era totalmente desnecessário e, sinceramente, essa cena destruiu um filme que trata a temática do luto e do passado de maneira leve e gostosa de assistir. Uma pena.
POR FIM, LEIA MAIS:
‘Pequena cartas obscenas’ e o medo das mulheres livres | Crítica