“Diário de Sintra”, da diretora Paula Gaitán, é minha segunda crítica da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Sendo a artista homenageada nesta edição, ela tem uma parte do seu catálogo sendo exposto na mostra, entre eles “Ostinato”. A diretora é viúva de Glauber Rocha, lendário diretor e persona retratada em “Diário de Sintra”.
Essencialmente, “Diário de Sintra” é um filme meditativo e experimental. Focando na experiência e memórias de Glauber quanto ao seu período em Portugal, a obra é uma lembrança nebulosa de um período passado que simultaneamente nos é apresentado de forma traumática e romântica.
Antes de continuar, é necessário admitir que é um filme longo para uma história aparentemente efêmera. Pode ser feito o argumento de que é uma analogia sobre a duração do já mencionado exílio.
Analogias?
Continuando, as analogias se acumulam e ressoam de forma densa e simultaneamente leve. Também pode ser que não exista analogia nenhuma e que todo o filme seja apenas uma experimentação estética lo-fi sobre a natureza da memória num momento de dor, mas prefiro acreditar em um subtexto, já que isso faz desta crítica um texto mais palatável e interessante.
Já que estamos partindo do pressuposto de que o filme é composto de várias analogias, vejamos algumas que parecem as mais significativas:
Vários dos habitantes portugueses que são expostos a fotografias do Glauber se perguntam se o conhecem. Duas senhoras chegam a discutir sobre ele ser ou não um ator português de novelas, afirmando que Glauber era português; curiosamente uma mulher brasileira o descreve como com “ar de latino” devido a barba em algumas fotografias. Aparentemente a sua definição variava de acordo com a visão do espectador. Longe de sua terra natal Glauber era visto como local, algo que não poderia ser mais distante da verdade.
Glauber Rocha
Além do vazio natural mostrar um mundo alheio ao natural de Glauber Rocha, espalhar imagens do mesmo pela paisagem estéril é uma forma poética de dizer “ele estava aqui, ele viveu aqui, ele passou por essa mesma experiência de se estar neste lugar”. Isso simultaneamente pode significar uma presença numa terra estranha quanto a presença apenas da sua imagem sem alma; um exílio que o fere e o rouba da sua essência, deixando apenas uma imagem exterior vagando por terras estranhas.
Dando continuidade ao estrangeiro, Glauber frequentemente aparece falando outras línguas, definindo a sua distância física da própria nação (de forma irônica, visto que estava numa terra em que se fala português). Também é possível que a distância fosse ideológica, uma ideia óbvia, já que o governo brasileiro tinha planos e motivos torpes para o matar.
Enfim, “Diário de Sintra” é belo e lírico, porém vago. A fotografia etérea e entrecortada de imagens de arquivo e atuais cobertas de efeitos vintage não consegue suportar a falta de uma história. A edição final com 1:30h pode ser vista como danosa ao filme como um todo. No geral, “Diário de Sintra” é deveras bonito, mas pode ser cansativo.