Numa tarde, após receber alguns jornalistas na agenda, Rodrigo Suricato estava ali aberto a um novo bate-papo no seu quartinho iluminado, com instrumentos e chapéus ao fundo. Aliás, aquele cenário é um ambiente conhecido dos fãs que acompanharam as lives do músico durante a quarentena. Ele, que lançou recentemente a música ‘A Dois’ feat. com Vitor Kley, contou sobre os trabalhos que realizou em 2020, revelou curiosidades, expôs os seus medos e até comentou as polêmicas de um dos assuntos mais falados no país atualmente: O BBB 21.
No último domingo (7), o cantor fez o primeiro show via zoom com cerca de 100 pessoas na plateia virtual. A proposta fazia parte do lançamento da música ‘A Dois’, novo feat. com o gaúcho Vitor Kley que ganhou um clipe solar, com vibe alto astral e clima praiano. A canção é uma regravação da letra escrita por Ramon Matheus e Ébano Machel, membros da banda ‘Tem Amor’. “Conheci a banda aqui no Rio de Janeiro e eles me chamaram para produzir um EP. Produzi e fiquei amigo de todos. Sempre os vi como bons compositores, mas foi cada um para um canto”, explica Suricato.
Depois de um trabalho intenso produzindo o próprio disco e algumas sessões de terapia, o músico passou a aceitar composições de fora e assim aconteceu a parceria. “Estou mais aberto a gravar composições de outros artistas que me emocionem. Sempre tive uma coisa de provar para mim mesmo que eu era um bom compositor e precisava compor as minhas letras, agora estou feliz pelas músicas que faço, sou de fato um compositor e me abro a processos coletivos.”
Para ele, essa junção tem poder ainda mais especial pela rede que está sendo movimentada. “É um artista de mainstreaming, dando a mão para um artista de midistream, dando a mão para uma banda independente. A gente fecha um ciclo muito bonito de potencialização do trabalho do outro, de troca artística. É sobre música isso”, declara Suricato.
Conexão com os fãs
Ao final do show, alguns fãs conversaram com o ídolo e quase todos os participantes comentaram sobre a sua conexão e proximidade com o público. Segundo ele, isso faz parte da sua característica, é genuíno. “Eu tô quase acreditando que isso é uma coisa boa, artística (risos). Que vale mais a pena a gente ser o que a gente é, sabe? Andei um tempo em conflito com isso, pensando que todo artista deve ter aquele “mistérinho”. Eu não sou dessa maneira e quando você quer ser uma coisa que não é, você entra pelo cano. É muito genuíno eu ter contato com seres humanos”, completa sorrindo.
E acrescenta: “Alguém fala do meu trabalho, eu falo de volta, me pede ajuda e eu vou lá e ajudo. Alguém pede para eu escutar uma música, eu escuto e digo que gosto. É muito louco isso ser quase exótico, sabe? Mas fico feliz com a resposta das pessoas. São aos meus fãs que devo satisfações nesse sentido, eu quero estar com eles. Quero estar com a galera que curte o meu som, vê beleza nas coisas que faço. Tenho isso sustentado e tenho como sustentar esse cara”, conta.
Artista multifacetado
Rodrigo Suricato é um artista cheio de nuances e isso é perceptível naquilo que apresenta ao público. O carioca começou tocando em bailes e churrascarias, trabalhou com grandes nomes da mpb, montou a sua própria banda e hoje toca a sua carreira solo ao mesmo tempo em que segue como vocalista do Barão Vermelho. “Me defino como um artista multifacetado. Vi a minha enorme angústia ao longo dos anos de me engarrafar num gênero e quebrei essa garrafa. É basicamente isso, me vejo como uma confusão. Nesse momento estou sendo isso com o Vitor Kley, daqui a pouco vou ser realmente outra coisa. Gosto de ter a arte como um lugar de laboratório, da gente ser o que a gente quiser porque já é um caminho muito difícil viver de arte no Brasil. Se eu ficar preso, estou criando a minha própria gaiola”, explica o cantor sobre a sua versatilidade.
E não para por aí, os gêneros se fundem na musicalidade que ele entrega. Todos parecem estar ali juntos, vai do Pop ao Indie sem deixar de passar pela Mpb e o Rock. Não tem um momento certo para externar o ritmo ideal, ele sente e faz. “Como você muito bem notou, eles saem da mesma pessoa, são sustentáveis. Eu não tento bancar um personagem. Quando gravo uma música do Raça Negra no violão e voz é porque amo aquilo. Acho do caramba! Quando tô no Barão Vermelho cantando aquelas canções, eu também me sinto representado. Entendo que possa causar uma enorme confusão para os fãs mais desavisados em relação ao meu trabalho. Entendo, inclusive, o quanto me prejudico com isso. Sou realmente esse prato de restaurante a quilo, sabe? De sushi com um estrogonofe e feijoada no mesmo prato. É a maneira como sou e não queria mais abrir mão dela”, destaca o cantor duas vezes indicado ao Grammy Latino.
Medos e produtividade na pandemia
Mas como nem tudo são flores, o guitarrista já teve medo dessa versatilidade e diz ter cogitado desistir da música e seguir outros rumos. “Já pensei em largar a música várias vezes. Várias vezes, várias vezes. Tenho interesses diferentes na vida. A música é só mais um dos instrumentos possíveis para a comunicação do que sou. Posso me comunicar através de um livro, cursos, palestras, sei lá. É muito amplo os lugares onde eu me sentiria representado, sabe? O medo é meu parceiro o tempo todo. Ele é coautor de tudo o que eu faço.”
O tempo difícil em que o mundo está vivendo propiciou esse temor em muitas pessoas e cada uma reage de um jeito. Para Suricato, 2020 foi um dos anos mais produtivos da sua vida. Além de ter sido indicado pela segunda vez ao Grammy Latino com o disco ‘Na Mão as Flores’, Rodrigo colocou no ar dois discos do seu projeto ‘One Man Band’; organizou um Festival Online; lançou o EP ‘Suricateando’ em agosto e ainda divulgou o “Respiros”, trabalho audiovisual que realizou ao lado da sua esposa, a artista plástica Paula Costa. Os dois últimos só aconteceram devido à pandemia.
“Agora eu tô realmente com vontade de botar muita coisa no mundo. Gravar um disco a cada quatro anos não é para mim. Tenho essa facilidade de produzir, de compor e lançar no mês que vem. Isso é um baita luxo! A música ‘Até o fim’ eu compus em cinco minutos, o ‘Suricateando’ saiu porque fiquei sensibilizado pelas pessoas cantando na varanda e o ‘Respiros’ é autoexplicativo, é respiro mesmo. Os três foram frutos da porrada da pandemia. O ‘One Man Band’ veio de um processo de seis anos de pesquisa. Então, ele iria acontecer de alguma forma. Acho que é isso, eu consegui ser cronista do momento onde nós estamos vivendo”, conta.
Mas, por que Suricato?
Aos curiosos que ainda confundem o motivo de levar ‘Suricato’ no nome, ele explica. Rodrigo Antonio Nogueira é o seu nome de batismo, mas já existia o Diogo Nogueira, Emerson Nogueira e o Minotauro que se chama: Antonio Rodrigo Nogueira. Espectador assíduo do seriado “Reino dos Suricatos”, ele resolveu pegar emprestado o nome do animal.
“Eu via quando chegava em casa de madrugada, adorava aquilo. Fiquei apaixonado pelos bichos e resolvi batizar o nome do meu projeto. É meio que sei lá, né. De quem é a banda do Jon Bon Jovi? É dele. O Bon Jovi é dele, mas, ao mesmo tempo, ele está lá com uma banda. Não é uma banda que está atrás, é uma banda de Rock onde cada um tem o seu nome. É um pouco como eu vejo o meu projeto Suricato. Como é o Foo Fighters? O Foo Fighters é do Dave Grohl. Ele é o líder, é o principal compositor, mas os outros têm participação ativa também. No Brasil isso fica um pouco confuso porque a gente é meio passional, a gente pensa que precisamos ser aquelas pessoas pelo resto da vida. Enfim, fica confuso, mas agora está mais tranquilo, pelo menos no meu projeto”, detalha o cantor que já foi muito questionado sobre isso.
Sobre BBB, Karol Conká e a cultura do cancelamento
Nem só de música vive um profissional da área, há aqueles que enfrentam o desafio de participar de um reality show enquanto outros ficam assistindo a tudo sentados no sofá. Rodrigo Suricato é o segundo exemplo. Com as polêmicas que surgiram nesta edição e os milhões de comentários envolvendo a rapper Karol Conká, o músico decidiu se pronunciar a respeito.
“Eu já disse numa música que não acredito em cancelamento sem espelho na frente. As pessoas, em geral, têm pouco conhecimento de si. São analfabetas sobre elas mesmas no sentido dos seus defeitos. A cultura das redes sociais é perigosa e não vai mudar tão cedo porque grande parte desses problemas da humanidade, ou todos, surge pela incapacidade de um homem ou uma mulher estarem sozinhos dentro de uma sala em silêncio, sabe? Só elas. Existe uma agressividade de alguns setores de militância de causas que são extremamente necessárias, urgentes e nobres. Mas existe uma hipocrisia de pessoas que não sustentam o discurso e são celebradas como uma coisa muito hype, da moda. Como se todos precisassem ser assim. Eu não concordo com isso, não.”
No ano passado, Suricato publicou no Instagram um texto sobre a cultura do cancelamento e desta vez decidiu escrever sobre os resultados que as atitudes da cantora renderam aqui fora. Seu post viralizou na internet recebendomais de 50 mil curtidas e circulou por diferentes bolhas nas redes sociais. Suricato concluiu a entrevista contando sobre o que pensa de toda essa situação:
“As pessoas discordam sobre feminismo, sobre racismo, discordam sobre tudo. Não tem um lugar uníssono. Eu vi nesse momento da Karol Conká de poder externar sobre um lugar onde não me sinto representado, sabe? Desse dedo na cara, desse lugar hype. O que é hype? Muitos artistas consagrados que são super celebrados pela nova geração e chamados para os festivais são insuportáveis com as suas próprias equipes. São grossos e irrelacionáveis. É cultural, eu já conheço essas pessoas. Isso me provoca uma certa ânsia de vômito, mas tento externar através de uma lucidez de texto. Já escrevi numa canção que o pior de mim está na mesma mão que eu trago flores para você e isso é o puro entendimento do que sou. Eu sou muita coisa de podre e muita coisa de maravilhosa. É o entendimento do mal como o teu parceiro e do medo como co-autor das coisas. É o que estamos falando bastante aqui”, finaliza.