Minha tendência natural seria gostar de Greice, longa de Leonardo Mouramateus, que estreou em 18 de julho. Começo qualquer produção audiovisual nacional já querendo escrever coisas positivas e tendendo a gostar. Afinal, sou apreciadora da nossa cultura e meu propósito é valorizar e difundir tudo o que produzimos, ao contrário do viralatismo que, infelizmente, grande parte da população brasileira parece ter inserido em si. E não faço isso somente por ser brasileira, mas sim porque nossa produção cultural é, sim, muito boa, além de muito diversa. Portanto, ao começar a assistir Greice eu estava com expectativas altas, ainda mais por ser um filme mais independente, bem do jeito que geralmente me anima e me agrada.
Talvez tenha sido as altas expectativas que me tombaram. Isso porque, desde que li a primeira vez sobre o longa-metragem, sua sinopse, seu enredo, achei interessante. Além do mais, era um filme fora do eixo Rio-São Paulo (Leonardo Mouramateus é cearense e grande parte do filme foi gravada no estado do Ceará) e centrado em uma mulher. Ou seja, mais ingredientes que, para mim, deixam uma produção mais saborosa. Aliás, acho que já está na hora de passar esses ingredientes para vocês, não é? Então vamos lá!
Sinopse
Greice, uma jovem brasileira de 22 anos, estuda Belas-Artes em Lisboa. Nos primeiros dias do verão, ela se envolve com o misterioso Afonso. O casal é responsabilizado por um estranho acidente que ocorre na festa de recepção dos calouros. Greice precisa, então, voltar a Fortaleza, sua cidade natal, para renovar o título de residência. Escondida em um hotel, enquanto evita que sua mãe descubra os apuros em que se envolvera, e contando com a ajuda de alguns amigos, Greice busca um lugar no mundo.
Para adicionar ainda mais caldo nesse ensopado, vamos de trailer. E gente, eu juro que o filme não tem nada a ver com comida. Acho que essa comparação veio só porque escrevo essa crítica com muita fome mesmo.
Análise
Com todo o panorama servido (parei de comparar com refeições, juro!), vamos à crítica em si. Apesar de que provavelmente vocês já entenderam aonde quero chegar, não é? Infelizmente, não é um dos melhores exemplares de produção cinematográfica que temos. Quer dizer, Greice não é um filme ruim. Longe disso. Vale a pena assisti-lo, principalmente por seu roteiro diferente e pela belíssima atuação de Amandyra, intérprete da protagonista. Contudo, há pontos negativos. Não chegam a atrapalhar a degustação do longa, mas podem incomodar alguns espectadores.
O principal problema está, sem dúvida, em algumas atuações. Não de nossa personagem principal que, como dito anteriormente, está impecável. Mas alguns dos personagens que a circundam deixam muito a desejar.
Por exemplo, seu amigo de longa data, interpretado por Lucas Galvino, é um dos que pecam na atuação. Talvez seja por causa de seu personagem não ter sido tão bem trabalhado, e ser bastante aleatória a sua aparição, mas é um personagem bastante sem vida. E, apesar de sua condição triste (fingir ser quem não é), não se lê o personagem sem força por causa disso, e sim por uma atuação fraca. Assim como o intérprete de Tiago (Dipas), que acaba pecando pelo excesso e entrega uma atuação forçada. Apesar de mesmo, mesmo assim, ter um carisma que transpassa a tela. Assim como o de Amandyra.
Paralelos
Algo que fica muito claro no filme é o paralelo feito no filme entre Afonso, o português com quem Greice se relaciona em Portugal, e a própria história do país com o Brasil. Insiro aqui um alerta de spoiler já que haverá um leve, mas nada que seja difícil de deduzir. Isso porque Afonso, o homem em questão, não é lá um cara muito legal, mas isso já não é mais novidade, vide que tem sido bem difícil encontrar homens héteros legais (mas não estamos falando da minha vida nesta crítica).
Não é uma novidade nem nada super original mostrar o português sendo sacana com o brasileiro, muito menos mostrar o tradicional preconceito que eles têm conosco. Mas é sempre bom relembrar de toda sacanagem que o país fez com o Brasil, mesmo que seja em forma de boy lixo. Ah! Vale ressaltar que não é um filme xenofóbico que fala mal de todos os portugueses ou do país como um todo. Existem personagens lusitanos que são “do bem”. O longa só explora esse lado, cada vez mais visível, do europeu preconceituoso, que sabemos muito bem que existe e não tem como deixar de fora de um filme que conta a história de uma mulher preta em um país europeu.
Ademais, a produção aproveita para deixar bem claro para os brasileiros que não é um mar de rosas viver fora do Brasil, como muitos acreditam. Serve para mostrar a realidade da Europa e explicita que a Europa não é perfeita.
Estética
Contudo, a vida de Greice no Brasil também não é perfeita. Por isso, aliás, que ela se esconde dentro de um quarto de hotel a maior parte do tempo que está de volta ao país. Um hotel, inclusive, com uma estética tão anos 90 que parece que o filme se passa nessa época, e não atualmente. Nisso, a cenografia e a equipe de figurino está de parabéns. Além da fotografia também trazer uma coloração e uma iluminação dos filmes dos anos 80 e 90. Isso não é à toa. Mostra uma época em que Greice ainda está presa: o passado. A estética espelha o seu interior.
Porém, bem que Leonardo poderia ter explorado mais o interior de Greice. As relações que ela acaba tendo no Brasil deixam tudo um pouco desconexo e não dão tanta profundidade quanto o tema pedia. Talvez se Greice ficasse mais confinada dentro do quarto, presa e perdida em seus pensamentos, o filme teria passado com maior facilidade a angústia que corria dentro da personagem. Mas estou aqui para comentar sobre o que ele é, e não sobre o que ele poderia ser. E o que ele é, em realidade, é um filme sobre memórias, sobre escolhas, e sobre uma pessoa que está perdida, assim como a maioria dos jovens hoje em dia – e desde sempre. Porque a vida do jovem é mesmo não saber para onde ir. Acredito que as pessoas mais novas irão, sim, se relacionar com Greice.
Ficha Técnica
GREICE
Brasil | 2024 | 1h50min. | Comédia, Drama
Direção e Roteiro: Leonardo Mouramateus
Elenco: Amandyra, Dipas, Mauro Soares, Luara Raio, Isabél Zuaa, Luciana Souza, Faela Maya, Daniel Pizamiglio, Bruna Pessoa, Lucas Galvino, Sandra Hung, Anna Leticya Gomes
Produção: Mayra Lucas, Paulo Serpa e Andy Malafaia
Coprodução: Pandora da Cunha Telles e Pablo Iraola
Produção Executiva: Caroline Louise
Direção de Fotografia: Leonardo Simões
Direção de Arte: Tais Augusto e Manu Falcão
Figurino: Dayse Barreto
Maquiagem: Miguel Molena e Netinho Nogueira
Montagem: Karen Akerman, edt.
Edição de Som: Guilherme Farkas
Mixagem: Ariel Henrique
Trilha Sonora Original: Fernando Pereira Lopes
Empresa produtora: Glaz Entretenimento
Coprodução: Ukbar Filmes
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