Quem é muito fã de musicais teve mais um motivo pra ficar pirado com a chegada da Disney+ no Brasil além de produções da Disney, Marvel e etc. E esse motivo se chama Hamilton. Hamilton é um musical que estreou em 2015 e fez muito sucesso nos Estados Unidos – e no mundo todo. Todo fã de musical que se preze conhece Hamilton. Provavelmente já ouviu a trilha sonora inteira – gravada pelo elenco original da Broadway – em sua plataforma musical de preferência e tem suas canções favoritas. Apesar de ser difícil pra caramba cantá-las (eu estou até hoje tentando pronunciar a letra inteirinha de “Guns and ships”). Então ter a oportunidade de, para muitos, finalmente assisti-lo é uma emoção enorme.
Gravado em 2016 durante três apresentações, esse “filme” de Hamilton estava programado para estrear em 2021 nos cinemas. Porém, com a pandemia do Covid-19, sua estreia foi antecipada e levada para dentro da casa das pessoas pelo Disney+. Dessa maneira, segundo Lin-Manuel Miranda, seu criador, a produção poderia levar um pouco de conforto para as pessoas, diante de um ano tão difícil como 2020.
A história de Hamilton
Hamilton conta a história de Alexander Hamilton, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos. A saber, ele lutou na Revolução Americana pela independência do país e assinou a Constituição americana. Contudo, não é um tema muito comum para se fazer musicais, certo? Segundo Lin-Manuel Miranda, ele se cativou com a história de Hamilton porque o “Pai Fundador” era um imigrante. Assim como seu pai. O pai do multi-artista é de Porto Rico e teve que batalhar muito para conseguir dar uma vida digna para sua família. Com Hamilton, que nasceu nas Caraíbas, aconteceu o mesmo. De acordo com Lin-Manuel, imigrantes precisam batalhar em dobro para ter o mesmo sucesso que um americano nativo tem. E foi essa garra e força que ele quis mostrar em seu musical. Não apenas isso, mas também a importância que imigrantes têm na história de um país.
Por que Hamilton faz tanto sucesso?
Além de colocar um imigrante como protagonista, o elenco de Hamilton é composto majoritariamente por pessoas negras e imigrantes. Essa é uma característica de Lin-Manuel, que desde seu primeiro musical, In the hights, faz questão de ter um elenco diverso em cima do palco. Porém, no caso de Hamilton, desde o início sua ideia era fazer um musical que trazia canções de hip hop e rap. Portanto, segundo o criador, seria muito errado colocar um elenco majoritariamente branco cantando um gênero musical criado por pessoas pretas.
Um dos atores do elenco original, Daveed Diggs, disse, inclusive, que, ao estrear na peça, pela primeira vez se sentiu fazendo parte da história dos EUA. Algo que, como negro, nunca havia sentido antes, já que a história oficial do país “esquece” (com muitas aspas aí) que as pessoas pretas ajudaram a construir o país.
O fato de ter um elenco tão diverso levou muitas pessoas para o teatro. Acostumados a não se verem representados em produções audiovisuais e teatrais, poder ver pessoas que se parecem com eles fez muita gente correr até a Broadway para ver Hamilton. Ou então buscar qualquer conteúdo relacionado ao musical. A peça também toca em questões muito importantes e delicadas, como a violência por causa de armas. Apesar de sua estreia ter sido em 2015, são assunto que ressoam até hoje.
Outro grande impacto do musical foi ter um repertório composto por hip hop e rap. O racismo faz as produções culturais criadas por pessoas negras serem consideradas inferiores. Portanto, ver uma peça colocar gêneros musicais não valorizados em posição de destaque chamou atenção. Sem contar que foi algo revolucionário no mercado teatral também.
Mas, afinal, é bom?
Só tenho uma resposta pra essa pergunta: inegavelmente que sim! Além da qualidade dos arranjos e das letras, Hamilton não decepciona em nenhum aspecto. Não a toa ganhou quase todas as categorias às quais foi indicado no Tony (11 de 15!), a premiação do mercado teatral nos Estados Unidos. Um exemplo é a coreografia. Criada por Andy Blankenbuehler, ela é impressionante. Adiciona camadas à história, além de apresentar movimentos que você jura que só efeitos especiais conseguiriam fazer.
A direção do filme é de Thomas Kail, que também assina a direção da peça teatral e foi um dos vencedores do Tony. Kail conseguiu levar para as telas a mesma emoção que teríamos em um teatro, o que não é fácil de fazer. A velocidade dos cortes e o foco em determinados personagens são alguns dos elementos que ajudam o espectador a sentir como se estivesse assistindo o musical ao vivo. A iluminação também é mais um fator para adicionar carga dramática às cenas que necessitam. Salvo a fatídica cena do não esperado cuspe do rei George. Talvez, aí, poderia ter um pouco menos de iluminação.
Um elenco quase inteiro vencedor do Tony Awards
Sobre os atores, não tem nem o que falar. Estão espetaculares. Todos têm vozes que fazem qualquer um se emocionar. Praticamente todos já tinham experiência em musicais, com exceção de poucos, e isso fica nítido em suas performances. Porém, prestem atenção em Leslie Odom Jr., o intérprete de Aaron Burr, antagonista de Hamilton, e em Daveed Diggs, que faz dois personagens, Marquis de Lafayette e Thomas Jefferson (o terceiro presidente dos Estados Unidos). Os dois brilham em cena e não tem como não se impressionar particularmente com eles. Além disso, a personagem Angelica, interpretada por Renée Elise Goldsberry, é uma das mais interessantes. Apesar de ter pouco tempo de cena, em comparação aos homens da peça, ela chama atenção por sua personalidade. É impossível não amá-la. Sem contar que a apresentação de seu tema principal, “Satisfied”, é uma das mais impressionantes do musical.
As mulheres, inclusive, tem papel fundamental no musical. No princípio, pode parecer que estão presentes para enaltecer o protagonista. Ou para fazer sua história se movimentar. Porém, com o caminhar da peça, percebe-se que não é o caso. As duas mulheres principais, Angelica e Eliza, têm pensamentos e vozes próprias. Muitas vezes, inclusive, não concordam com as atitudes de Hamilton. Poderiam, talvez, ter mais presença durante o espetáculo. Contudo, todas as vezes em que estão em cena, são grandiosas. Tanto as personagens quanto as atrizes. Philipa Soo, intérprete de Eliza, se doa totalmente na cena final. Ela entrega uma performance de arrancar lágrimas. Segura o lencinho!
Um musical impressionante
Por fim, são 2 horas e 40 minutos de puro êxtase e muita emoção. Duvido você assistir e depois não querer ir atrás de todas as músicas e de todo conteúdo possível relacionado ao musical. Aliás, falando nisso, além do filme, a Disney+ também liberou dois outros programas que falam um pouco mais sobre a peça. Em Hamilton in-depth, Kelley Carter, jornalista do site The Undefeated, entrevista os atores e o diretor do musical. Eles falam sobre a peça e seu impacto nos Estados Unidos. Já em History has its eye on you, a jornalista Robin Roberts e a historiadora Annette Gordon-Reed relacionam o musical com a verdadeira história dos EUA. O programa também conta com a presença de Lin-Manuel, do diretor Thomas Kail e de alguns atores de Hamilton.
Contudo, antes de deixar vocês com o trailer do musical, um aviso. Por enquanto, Hamilton está somente com legendas em inglês. Lin-Manuel Miranda pediu desculpas em seu Twitter, escrevendo em português, pela falta de legendas em português e em espanhol. Segundo ele, não deu tempo de produzi-las antes da Disney+ chegar ao Brasil. Mas eu garanto que, mesmo sem entender inglês, é possível assistir e perceber toda a grandeza da peça. Afinal, música boa a gente sente.
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