Lua em Escorpião faz tocar em emoções profundas. Talvez pela Lua ser a encarregada pelos nossos sentimentos e o signo de Escorpião ser tido como responsável pela morte e pelo renascimento, tornando tudo muito intenso, como diz a autora Fernanda Rodrigues na orelha do livro. A poesia que Anna Carolina traz permite com que o leitor se relacione e se identifique em vários momentos. O fato é que não há como sair incólume da leitura dos poemas de Lua em Escorpião, que foi lançado em agosto desse ano pela Editora Penalux.
Entrevistamos a autora do livro para conhecer um pouco mais sobre seu processo de escrita e sobre sua experiência com a Literatura. Confira em seguida.
Livia Brazil: No primeiro poema do livro, “Lavra palavra”, você já mostra um pouco como a escrita te afeta. Você diria que a escrita é uma necessidade pra você?
Anna Carolina Ribeiro: Hoje a escrita pra mim tem tido um papel terapêutico. Sinto que entendo muito do que sinto com mais nitidez no processo de passar os sentimentos pro papel. Porque aí eu preciso traduzir as emoções em palavras, o que deixa tudo um pouco mais preciso. Não sei se é uma necessidade porque, em outros momentos, encontro outras formas de ter esse entendimento, mas a escrita me permite fazer isso de forma muito autônoma, não só quando eu escrevo poesia, que costuma ser mais pessoal, mas também na prosa. Os personagens acabam sendo pedacinhos de mim que também me ajudam a me entender quando se transformam de ideia em palavra. Mas é algo que gosto muito de fazer e me dá prazer, como o primeiro poema sugere mesmo!
LB: Como é, para você, o processo de escrita?
ACR: Bem fluido e natural. Na primeira frase, me sinto quase uma médium, anotando as coisas que escuto por aí e traduzindo ideias em palavras. Mas escrita, pra mim, vai além disso, é processo, e processos levam tempo. Depois de pegar a ideia bruta, preciso usar minhas ferramentas pra lapidar o texto. O conhecimento de técnicas entra aí. É a parte mais crítica, menos criativa. Mas não tenho muita dificuldade com isso, porque estou só me expressando, então no fim o que mais me importa é dizer o que eu quero dizer, mesmo que não fique tão perfeito assim. Posso me dar a esse luxo de enxergar a escrita assim porque tenho outro trabalho, então não vivo da escrita, o que acho que traria outra pressão pra cima da produção.
LB: Aliás, quando você se percebeu escritora?
ACR: Acho que ainda estou me percebendo como uma! Devo ter começado a me perceber escritora quando era adolescente, mas assumir o nome é recente, porque a gente é levada a achar que só pode assumir certos rótulos se levar ele a sério como profissão. Mas somos mais que as nossas profissões que nos sustentam, né? E o que é que é levar a sério, afinal? Enfim, agora eu sou escritora assumida, mesmo que a escrita não me sustente e mesmo que o “levar a sério” seja bem relativo.
LB: E de onde veio Lua em Escorpião, como ele surgiu?
ACR: O livro é fruto de um exercício de escrita que me propus pra retomar o contato com a escrita de poesia, um projeto pessoal pro meu ano de 2020. Depois de algum tempo escrevendo uma poesia por semana (e com a pandemia e o tempo a mais em casa, acabei parando pra escrever mais do que isso), procurei uma mentoria de escrita pra direcionar esses e outros escritos que eu tenho, mas que eu não sabia nem o que fazer, por falta de contato próximo com o mercado editorial. Minha mentora, Fernanda Rodrigues, olhou essas poesias e disse que tinha material ali para um livro. Não imaginei que ia publicar poesias, mas abracei a ideia e fui trabalhando os poemas, ordenando com alguma lógica e percebi que muitos eram sobre minhas emoções.
Astrologicamente, a Lua é que rege as emoções e a minha é em Escorpião, então batizei esse meu primeiro livro assim. Quem tem Lua em Escorpião – dizem, e eu confirmo – é bem intenso e profundo em tudo.
LB: O seu livro trata de emoções e sentimentos muito profundos e pessoais. Como foi acessá-los numa época tão difícil para todos como a pandemia?
ACR: Sou uma pessoa que não consegue muito bem conciliar o sentir e o pensar. A pandemia me deixou em casa, longe de muitas atividades e contatos que me faziam sentir muito. Parando, tive tempo pra pensar melhor no que sentia e no processo de escrita de poesias, muita coisa mais profunda acabou aflorando. Minha escrita de poesia é realmente muito pessoal mesmo, mas acessar toda essa profundidade foi consequência do tempo livre que a pandemia trouxe. Foi um tempo de mais reflexão racional sobre os sentimentos e sensações.
LB: Como você gostaria que os leitores enxergassem/lessem os poemas de Lua em Escorpião? Onde você gostaria de atingi-los?
ACR: Não sei se tenho uma expectativa específica. Eu só espero que as pessoas sintam algum tipo de identificação, pra que a gente se reconheça um no outro mesmo nas nossas diferenças, e se a identificação vier de algo pesado, algum sentimento doloroso, espero que as pessoas se sintam menos solitárias nas angústias. De resto, o que vier eu vou achar ótimo. Também gosto de como as interpretações podem ser bem amplas com a literatura, em especial na poesia, e já me surpreendi muito com alguns comentários de leitores, que enxergaram e sentiram coisas que eu nem pensava que podiam ser despertadas pelo que eu escrevi.
LB: Qual sua memória mais antiga relacionada à Literatura? Desde quando ela te acompanha?
ACR: Me lembro de ler livrinhos bem pequena. Sei que aprendi a ler cedo, acho que com 4 anos. E lembro de criar historinhas na minha cabeça. Quando aprendi a escrever, também bem cedo, acho que cheguei a passar algumas dessas histórias pro papel. Sempre gostei de ler e era muito incentivada a isso. Me lembro mais de livros do que de brincadeiras na minha infância e pré-adolescência, e fui parar no curso de Letras porque gostava de ler e escrever. Curiosamente, o período em que eu menos li por fruição foi durante o curso. Conciliar as leituras da própria faculdade, literárias e teóricas, e o trabalho acabou me atrapalhando nisso. Demorei um pouco a retomar as leituras, e agora tenho outro ritmo e outras preferências. Mas a literatura sempre me divertiu e fez refletir muito. E segue assim, sempre do meu lado.
LB: O que a motiva a continuar escrevendo, mesmo sabendo que o mercado literário/editorial no Brasil é muito difícil?
ACR: Eu só consigo escrever porque tenho outro emprego que me dá o tempo pra produzir de forma não comercial. Pra mim, publicar ou escrever é simplesmente uma forma de expressão. Um privilégio que não devia ser ligado à minha classe social, e deveria ser possível pra todo mundo. Não escrever, precisamente, mas poder ter alguma forma de expressão através da arte – porque acredito que deixar sua marca na terra é também uma necessidade humana.
A vida é curta, mas a arte pode ser eterna. Justamente porque a vida é tão curta, acredito muito que arte não deveria ser mercadoria, mas não tenho o poder de mudar todo o sistema pra que isso aconteça e ela possa ocupar o lugar que eu acredito que pertence a ela: o de ser uma forma de expressão e de deixar uma impressão no mundo. Não tenho respostas simples, mas acho que escritores e editoras só vão conseguir encontrar uma saída coletivamente, porque as contas ainda precisam ser pagas até o mundo mudar, e viver só de escrita literária não é fácil. Então minha motivação definitivamente não vem do mercado literário.
No entanto, minha motivação pessoal é me expressar. Quero pôr no mundo textos, porque acredito que isso me conecta a quem lê e não sei se tem outra coisa que faça mais sentido na vida do que essa busca. No caso, a escrita é só uma forma que encontrei de fazer essa conexão. E espero que isso motive pessoas a escrever mais também.
LB: Tem algum escritor(a) nacional que te inspire ou que goste muito? Se puder indicar alguns…
ACR: Gosto muito da Larissa Fonseca, que tem uma newsletter chamada As Moscas na Janela. A poesia e a prosa dela são ótimas, mas o que mais me inspira é que ela consegue ter um trabalho estético que algum dia ainda hei de fazer nas minhas próprias newsletters. É uma coisa que demanda tempo e prática, então um dia vem, mas não agora. Até lá, sigo só apreciando a arte sobre a arte que ela faz. Também me inspiro muito em Roque Marciano, que tem uma visão com a qual estou muito alinhada. A poesia é tão potente, conversa tanto comigo e tem uma força tão serena! Tanto a escrita quanto a postura no mundo que Roque traz são muito inspiradoras.
LB: Para terminar, no poema “A melhor parte de mim”, o eu-lírico diz que “a melhor parte de mim está na busca”. O que você busca? Com sua escrita, na literatura, na vida.
ACR: Pode soar muito filosófico, mas eu busco a busca. Não quero estagnar em nada. Nem na escrita, nem na literatura, nem na vida. A vida é movimento, então desde que eu me movimente e nesse balanço consiga dançar com as palavras, com as histórias, com as pessoas e com a vida, tá tudo certo pra mim. Eu busco a busca e busco essa dança.
Por fim, Lua em Escorpião é o livro de estreia de Anna Carolina Ribeiro e você pode encontrá-lo no site da Editora Penalux (https://www.editorapenalux.com.br) ou com a própria autora (autografado), em seu Instagram.