A escritora literária e Ph.D em História, Dia Nobre, concedeu ao Vivente Andante uma entrevista exclusiva sobre seu último lançamento, o livro “No útero não existe gravidade”, publicado este ano pela Editora Penalux.
Na obra, Dia Nobre narra, com muita dor e poesia, a história de uma menina que cresce enfrentando o duro desafio de lidar com transtornos psicológicos causados pelo abandono materno, assédio, desilusões e outros problemas comuns a nós mulheres por vivemos em uma sociedade machista.
Você pode conferir a nossa resenha sobre o livro aqui e conhecer um pouco melhor o processo de escrita da autora através desta entrevista abaixo:
Júlia Cunha: Dia, sempre te apresentamos por seu currículo que é, de fato, admirável, mas como você gosta de se apresentar para as pessoas enquanto escritora literária?
Dia Nobre: gosto de dizer que sou alguém que sempre escreveu mas que só agora pode publicar. alguém que deseja ser lida e ignora o medo e os desafios que isso implica.
JC: Você é uma autora que, como outros autores da nossa literatura, não faz a diferenciação entre maiúsculas e minúsculas. Como isso começou na sua escrita e há uma intencionalidade ou é algo puramente estético?
DN: a intenção é nivelar o texto, dar a mesma importância à todas as palavras, inclusive aos nomes próprios. do ponto de vista estético, para mim, nada é maior que o próprio ato de escrever. do ponto psicológico, me ajuda a entender o papel dos personagens e das histórias que quero contar.
JC: O seu texto nos atinge de forma precisa e sinto que, para além do conteúdo, isso se dá muito em função do seu estilo de escrita. A mescla entre uma situação aparentemente inofensiva e o baque surpreendente de um fim trágico chega para nós como verdadeiras agulhadas. E, se atinge a nós leitores dessa forma, tendo em vista o seu envolvimento mais profundo enquanto escritora, qual foi o impacto dessa mescla para você, Dia Nobre?
DN: não sei se isso foi intencional ou se foi consequência do processo de narrar memórias muito pessoais, mas percebi que todo momento banal carrega uma potencial calamidade, na vida e na literatura.
JC: Como o livro tem essa dinâmica de ser tanto um romance como uma coletânea de contos e não trabalha com a linearidade temporal, como funcionou o seu processo de escrita e, principalmente, o de organização desses textos?
DN: comecei a pensar o livro como uma coletânea de contos. a intenção era trazer histórias comuns às mulheres: abuso, violência doméstica, relacionamentos. mas com o passar do tempo, fui percebendo que os textos se encontravam em outro momento.
essa personagem, a menina, começou a ganhar força e quando me dei conta, estava contando a história dela, usando minhas próprias memórias. decidi depois por uma organização o mais cronológica possível, embora alguns textos quebrem com a linearidade, a ideia era mostrar como essa menina cresceu e foi lidando com os problemas ao longo da vida.
não sei se consegui (risos)
JC: Seu livro é carregado por muitas cores, frutas e objetos despedaçados que dão o tom do ambiente. Esses elementos faziam parte do seu plano de escrita ou foi uma demanda dos devaneios da personagem ou do próprio ambiente da história?
DN: são elementos que me atraem. sinto uma afinidade profunda por coisas imperfeitas rachadas ou quebradas. isso me lembra muito uma técnica japonesa, a kintsugi, de reparar objetos quebrados que consiste basicamente em enfatizar as imperfeições e destacá-las com o uso de uma espécie de “cola de ouro”. assim, o objeto reparado se torna assim, mais valioso que o “original”.
creio que por isso, dou mais ênfase à imperfeição e ao diferente do que àquilo que é, aparentemente, irretocável.
os objetos têm uma importância enorme para mim, pois muitas memórias partem deles. acredito, por exemplo, que só “lembro” do velório da minha avó por causa da bacia de laranjas e gelo. se eu não a tivesse visto, possivelmente, não recordaria ou não teria criado essa cena em minha memória.
JC: Apesar de “No útero não existe gravidade” ter um conteúdo muito denso e doloroso, mesmo nos trechos mais pesados, me peguei com muita dificuldade de pausar a leitura, muito em virtude da maneira como a sua escrita nos envolve, é viciante – nesses trechos mais pesados, sentia como se eu estivesse praticando autotortura, porque não conseguia parar de ler. Pensando nisso, gostaria de saber como foi a sua experiência enquanto leitora da sua própria obra.
DN: espero que ninguém tenha se machucado durante a leitura (risos).
ainda não reli a obra como um todo. tenho lido alguns textos separados em lives e entrevistas online, mas uma vez que terminei de escrever, é difícil para mim, reler tudo de uma vez. não sei se vou fazer isso, algum dia.
escrevê-lo (e reescrevê-lo muitas vezes) já me demandou uma energia emocional muito grande. acho que ele pertence às leitoras agora.
Para finalizar, aproveite a leitura de “No útero não existe gravidade” e não deixe de acompanhar o trabalho da Dia Nobre.