Dois filmes estrangeiros e intensos às suas maneiras estão disponíveis na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Malmkrog e Dias. Ambos são calhamaços, o primeiro com 3:20h (!) de duração e o segundo com humildes 2 horas. Mesmo assim, não poderiam ser filmes mais diferentes um do outro e que, ao mesmo tempo, se completam de forma tão peculiar.
Descrições
Primeiramente, os seus enredos. Malmkrog é um filme de época que mostra um dia de conversas profundas de membros da elite franco-russa. Por três horas e vinte minutos, 5 ricaços brincam de advogado do diabo enquanto discutem moralidade, ética, religião e tudo mais que pode parecer “importante”. De forma alguma a discussão é realmente relevante, toda a conversa foca em se mostrar moralmente superior e refutar os argumentos dos seus interlocutores. Novamente, isso se arrasta por três horas e vinte minutos – e em francês (com alguns momentos onde russo, alemão e um pouco de inglês são ditos).
Dias mostra a história de dois homens em Bangkok, sem diálogo algum. Um (mais velho, mais rico) procura tratamento médico para uma dor na cervical e o outro só trabalha. Durante duas horas, sem legenda, sem falas, dois homens seguem com as suas vidas durante um longo dia. Arrumam seus lares, tomam banho, se encontram, se separam e vida que segue. Dias e Malmkrog não são filmes para serem vistos de casa a não ser que você possa garantir que não será perturbado. Afinal, a paciência e sossego necessários para apreciar completamente estas obras está além do que um dia normal pode apresentar.
Análise
Se por um lado, ambos se apresentam como desafios para as nossas atenções fugazes, por outro ambos mostram o dia e a noite em toda a sua glória lenta. Nos tornamos extremamente sensíveis ao menor movimento, à menor mudança, cientes de cada respiração e frase de alguém na tela. Depois de Malmkrog me vi absolutamente incapaz de começar uma discussão ou de ver uma Bíblia; depois de Dias tive medo do silêncio.
Do mesmo modo, ambos os filmes levantam questionamentos válidos sobre o que significa se relacionar com aqueles à nossa volta. Se por um lado a discussão engrandece o nosso conhecimento e pensamento crítico, de que vale toda a retórica se não a aplicamos de forma prática? Como buscamos paz se o ato mais íntimo cometido em cena foi contratado e remunerado ao invés de espontâneo? O que significa viver em sociedade se não somos capazes de o fazer sem artifícios, gracejos e nem atos negociados?
Considerações
Assim, o cinema permite que essas questões afloram e se mostrem manifestas a milhares de quilômetros de distância. Ainda mais, pense no poder que isso tem, Dias teve filmagens na Tailândia por um diretor taiwanês, e agora está disponível para o apreço da audiência brasileira. Enfim, com ou sem diálogo uma mensagem foi passada, uma meditação de duas horas transmitida do outro lado do planeta para quem quiser ouvir.
Desse modo, nos deparamos com filmes intensos e propositais, o intento de Malmkrog e Dias é claro: discutir a legalidade e natureza dos relacionamentos. Seja ao discutir a figura do anticristo ou ao fornecer serviços sexuais, ambos os longas são genuínos e esplêndidos. Assim, por mais que o tamanho dessas obras se mostre indigesto para a audiência média, ambos os filmes são experiências únicas que Tenet nenhum poderia fornecer.
Afinal, veja o trailer de Malmkrog:
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