Meu nome é Gal chegou em boa hora. Já estava mais do que na hora de começarem a fazer mais cinebiografias de nossos artistas musicais. Temos poucas até agora: Dois filhos de Francisco (sobre Zezé de Camargo e Luciano), Tim Maia, Elis (sobre Elis Regina). Sendo que o último foi de 2016, já tem quase dez anos. É importante termos filmes sobre nossos próprios artistas para que não sejam esquecidos. Nunca. É preciso preservar a nossa memória cultural, valorizar nossos artistas. Principalmente artistas tão grandiosos como Gal Costa. Por isso, a ideia de Dandara Ferreira e Lô Pollitti de fazerem um filme sobre a cantora foi fenomenal. A saber, a concepção do filme veio antes da morte da cantora. Porém, Gal não chegou a ver este longa finalizado, o que é uma pena.
Porém, antes de mais nada, fique com o trailer, para sentir um pouco do gostinho do filme:
Cinebiografia
Quem for assistir a Meu nome é Gal tem que ter na cabeça que cinebiografias nunca serão capazes de cobrir a vida inteira de um artista. Ou seguir o passo a passo certinho de tudo o que aconteceu em sua vida. Por isso, o filme é um recorte da vida de Gal, interpretada por Sophie Charlotte. O foco é no processo interno pelo qual teve que passar para se transformar na Gal Costa que todos amavam até o dia em que faleceu. Começa em 1966, quando ainda era “apenas” Maria da Graça – ou Gracinha – e chega ao Rio de Janeiro para batalhar a carreira de cantora. Bethânia, Caetano e Gil já estavam na cidade. Já faziam da música seu meio de trabalho. Tinham certo nome. Já Gracinha tinha apenas a vontade de concretizar seu sonho.
Mais do que eventos externos que aconteceram para que pudesse se tornar Gal Costa, o longa mostra o que Maria da Graça teve que passar internamente para conseguir virar a potência em que se transformou. Todas as ebulições internas para que passasse a acreditar mais em si mesma. E, principalmente, o conflito interno de querer mais liberdade e ser quem realmente era quando ainda se via tão ligada à mãe. Que queria seu sucesso tanto quanto ela, mas morria de medo da violência da época ditatorial, além de ser arraigada a valores tradicionais.
Batalhas
Outro fato importante que precisou lutar foi aprender a se impor em uma área dominada por homens, em um mundo ainda mais machista que o de hoje. Soltar a sua voz, que diziam ser a mais bonita do Brasil, enquanto homens não escutavam mulheres. Foram muitos processos internos que precisou passar e que, acredito, foi o foco do filme. Principalmente por ter duas mulherescomo diretoras, que sabem muito bem como é estar neste lugar. Portanto, foram muito bem-sucedidas em mostrar os anseios que perpassavam o corpo e a mente de Gal enquanto buscava seu lugar no mundo musical. E no mundo como um todo, principalmente em um momento em que era tão difícil se dizer o que se pensava verdadeiramente – a Ditadura Militar.
Sophie Charlotte
Além de uma direção na direção certa (perdão pelo trocadilho infame), outro motivo que permite que o espectador perceba com facilidade as questões internas de Gal é a performance da Sophie Charlotte. A atriz está cirúrgica tanto nos momentos de delicadeza e timidez de Maria da Graça quanto nos momento de ebulição de Gal Costa. Sophie vem se mostrando como um grande nome de sua geração há tempos. Há pouco espantou a todos com sua atuação em Todas as flores, que está no ar atualmente na Globo. Na novela, conseguiu transformar a mocinha ingênua que Maíra era no início da produção em uma mulher quase tão vingativa quanto a vilã Vanessa, interpretada por Letícia Colin. Agora se afirma nesta cinebiografia, mostrando, mais uma vez, a extensão de sua atuação.
Além disso, também teve a oportunidade de mostrar ao público sua verve musical, algo já previamente observado na novela anteriormente mencionada (a atriz divide a música de abertura com Letícia Colin). Sophie faz bonito e encanta com sua voz suave e afinada em vários momentos do filme.
Apesar disso, a questão musical é um dos (poucos) pontos negativos do longa. Apesar de ser inevitável exibir a voz original de Gal Costa, já que a cantora é considerada uma das maiores vozes do Brasil e desapontaria fãs caso não a ouvissem, o filme ganharia mais se Sophie tivesse usado a sua voz durante todas as vezes em que Gal aparecesse cantando. A razão é que, nos momentos em que Sophie Charlotte dubla a voz de Gal Costa, soa bastante falso. Já que a atriz canta superbem, não havia razão para a dublagem.
Final inacabado
Contudo, o pior ponto negativo de Meu nome é Gal é seu final. Após um momento bastante emblemático, o filme deixa o espectador aguardando um fim apoteótico, porém só mostra fotos e imagens de arquivo de Gal Costa já como a grande cantora que o Brasil conheceu. Não sei se esse corte brusco foi feito para demonstrar que houve, também, um corte brusco na carreira de Gal com sua morte. Se foi essa a intenção, não deu certo. A sensação que deixa é somente de quebra de expectativa, e não a positiva. Parece que o final foi feito às pressas para que sua exibição não demorasse. Ou talvez que, por causa da morte da cantora, a equipe ficou por demais sentida para conseguir continuar a fazer o longa. Uma pena, depois de 90 minutos de uma homenagem tão bonita à voz mais linda do Brasil.
Devo dizer, porém, que este final aquém da beleza do filme não é motivo para Meu nome é Gal não ser assistido. Além de todos os pontos positivos já ditos, também é preciso citar a preciosidade dos figurinos e algumas atuações no ponto, como a de Luis Lobianco como Guilherme Araújo. Além disso, o filme é importante para lembrar a grandiosidade que foi Gal Costa. E, para os mais jovens, conhecer essa grande cantora brasileira – e também alguns outros grandes artistas que temos e que aparecem no filme. Também é importante para mostrar que regimes ditatoriais só trazem coisas negativas à sociedade, já que cala artistas. E a arte é para ser livre e valorizada.
Depois de ser exibido no Festival do Rio, Meu nome é Gal estreou nos cinemas brasileiros no dia 12 de outubro.
Ficha técnica
Brasil | 2023 | 90min. | Biografia
Direção: Dandara Ferreira e Lô Politi
Roteiro: Maíra Bühler, Lô Politi e Mirna Nogueira
Elenco: Sophie Charlotte, Luis Lobianco, Chica Carelli, Rodrigo Lelis, Dan Ferreira, Camila Márdila, Dandara Ferreira, George Sauma, Elen Clarice, Fábio Assunção.
Produção: Globo Filmes, Telecine, Fundo Setorial do Audiovisual
Distribuição: Paris Filmes
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