“Quando uma pessoa faz uma peça, um filme, é alguém dizendo eu existo, eu tô aqui.”
É com essa frase do filme Morte, vida e sorte, primeiro longa de Alexandre Alencar, que inicio essa crítica. Isso porque ela decerto resume bem o longa. Depois de dirigir vários curta-metragens, Alexandre apresenta a difícil jornada de três atrizes independentes na luta para montar uma peça. Sozinhas. Sem patrocínio, apoio ou qualquer ajuda financeira. Contando apenas com seu talento. Todo artista que já passou pelo desafio de bancar sua arte sozinho sabe que não é fácil, e isso fica nítido em cada cena do filme.
As protagonistas são Bebel, Duda e Tati, atrizes sem recursos em uma das cidades mais caras e desiguais do Brasil: São Paulo. O trio de amigas que divide um apartamento e, além disso, penam para conseguir pagar o aluguel decide, então, tomar uma medida drástica: conseguir o dinheiro para montar sua peça autoral a qualquer custo. O que, como dito antes, não será fácil. E, assim, tomarão atitudes drásticas para tal.
Vida real
Morte, vida e sorte mostra, com muita realidade e sinceridade, a vida dos artistas. E, mais ainda, a vida do artista independente em São Paulo. Uma cidade dita sem cor, onde o foco é o trabalho. E onde, talvez, se entenda trabalho como aquele tradicional, dentro de um escritório, aquela imagem que temos da pessoa de paletó correndo apressada para chegar no horário. Com uma cidade cheia de prédios como cenário. Cinza. Como a escolha da cor do filme, todo em preto e branco. Ou seja, tal fato vira uma alegoria da vida sem graça, enquanto sem peça, e difícil dessas atrizes. E vira uma alegoria, também, do esforço que é tentar se manter em uma cidade que, apesar de cheia de eventos culturais, cobra muito caro – literalmente – para que eles aconteçam.
É imprescindível que o filme se passe em São Paulo e que seja em preto e branco. Essas características só deixam ainda mais claro o esforço que as personagens fazem para, desculpe-me o trocadilho, deixarem suas vidas mais coloridas. E conseguir um mísero salário decente que as permita pagar ao menos o aluguel. E, se tudo der certo, a tão desejada montagem da peça. A escolha da fotografia do filme deixou, portanto, tudo mais angustiante. E permite que o espectador se sinta, assim, tão desamparado quanto Bebel, Duda e Tati.
Simplicidade que funciona
Sem enfeitar muito o roteiro, a história vai direto ao ponto: é isso que aqui que está acontecendo, é isso aqui que os artistas sofrem todos os dias. E é isso aqui que a gente vai fazer. Sem sombra de dúvidas, Alexandre Alencar acerta em manter um roteiro simples, com uma mensagem clara. É um filme que traz um respiro à longa lista de filmes cheios de parafernálias que têm sido lançados no cinema. Sem precisar se utilizar de cenas de ação ou de artifícios muito mirabolantes, ele foca no mais importante: na história. Em passar uma mensagem. E em causar identificação e empatia. Tem sucesso em todos os pontos.
A naturalidade da atuação das três atrizes também ajuda a manter o espectador atento e interessado. Eva Bensiman, Luiza Válio e Maria Paula Lima são pessoas comuns que todos conseguem se identificar. E talvez por já terem experienciado a situação em que as atrizes do filme se encontram (sem grana nenhuma), passam com muita verdade os diálogos e o desespero das personagens. Mesmo nos momentos em que estão se divertindo. É aquilo: vamos beber e ouvir música e fingir que está tudo bem. Quem nunca fez isso pra esconder a angústia?
A ambiguidade no texto no final foi a cartada de mestre para deixar Morte, vida e sorte ainda mais intrigante. É um texto bastante original, além de uma linda homenagem à arte. E não apenas isso, como também a todos que continuam lutando por ela, mesmo entre tantas dificuldades. Em conclusão, vale muito a pena assistir.
A saber, Morte, vida e sorte estreou na última quinta-feira, 04 de abril, somente nos cinemas.
Por fim, fique com o trailer:
Ficha Técnica
Brasil | 2022 | 101 min. | Comédia
Direção e roteiro: Alexandre Alencar
Elenco: Maria Paula Lima, Luiza Valio, Eva Bensiman, Dionísio Neto e Guilherme Gomes
Produção executiva: Deborah Zapata, João Gabriel Gragnani e Eva Bensiman
Produtor: Alexandre Alencar, Deborah Zapata e Eva Bensiman
Co-produtores: Estúdio Manic, Área 51, Amazing Sound
Cinematografia: Marcelo Medeiros
Edição: Bernardo Costa
Sound Design & Mix: Tiago Valverde e João Caserta
Distribuição: Vinny Filmes
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