Nelisita foi filmado no ano de 1980 na Chibia e é cinema etnográfico. Na época, os sul-africanos invadiam o sul da Angola. Tem 64 minutos e possui um ar antropológico. Além disso, tem como diferencial o fato de que a película surgiu a partir de duas peças de literatura oral das populações Ovanyaneka do Sudoeste de Angola, contadas por Constantino Tykwa e Valentim, advindas de versões de Carlos Estermann no livro Cinquenta contos bantu do Sudoeste de Angola. Ademais, o diretor Ruy Duarte de Carvalho fez uma ficção onde o próprio povo atua e encena suas lendas.
“Foi de alguma forma a poesia que me fez passar pelo cinema e foi a partir do cinema que me tornei antropólogo”, já disse Ruy.
No filme, a fome domina o mundo e apenas dois homens restam vivos com as suas respectivas famílias. Sendo que um deles parte em busca de comida e encontra um armazém onde alguns espíritos guardam enormes quantidades de alimentos e roupas. Apropria-se do que pode transportar e volta mais tarde acompanhado do seu vizinho. Este deixa-se apanhar e denuncia aos espíritos a sua morada e a do seu companheiro. Os espíritos aprisionam toda a gente menos uma mulher que percebem grávida, para que tenha o filho e possam se apossar de mais um ser vivo.
Então, nasce Nelisita, aquele que se gerou a si mesmo. Ludibria o espírito que vem em sua busca, a si e à sua mãe, que acaba por ser levada. Nelisita parte à sua procura e apresenta-se ao rei dos espíritos para reclamá-la. O rei dos espíritos alicia Nelisita a passar para o lado dos que monopolizam a comida. Nelisita resiste. É submetido a várias provas, mas usa de seus animais de criação, seus aliados, para a batalha.
Prêmios pelo mundo
A fotografia de guerrilha é de Victor Henriques e o elenco é composto por António Tyitenda, Francisco Munyele, Tyiapinga Primeira, Manuel Tyongorola, Ndyanka Liuima. Aliás , Nelisita ganhou diversos prêmios como: Prêmio Cidade de Amiens no Festival Internacional de Cinema (1983); Prêmio para a Melhor Ficção no Festival de Aveiro; Prêmio Especial do Júri no Festival de Cartago (1983); “7th Art” no FESPACO, Festival Panafricain du Cinema de Ouagoudougou, Burkina Faso (1984); Prêmios de Melhor Filme, Melhor Realização (direção), Melhor Ator e Melhor Utilização Criativa do Som no Festival de Cinema de Harare (1990). Além disso, foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Moscovo (1983); no Festival Internacional de Berlim (1984); e numa retrospectiva do FESPACO no famoso Centre Pompidou, em Paris (1985).
Curiosidades sobre Nelisita
“Nelisita, com direito a prémio no Fespaco, festival do Burquina Faso e a crítica nos Cahiers do Cinema, marcaria o último fôlego do breve momento do cinema angolano, mergulhado depois num grande marasmo de impossibilidade. […] Em termos técnicos, […] o formato escolhido foi de 16 mm, preto-e-branco, em continuidade com os documentários anteriores e porque havia laboratórios em Angola para revelar.
A película a cor estava reservada para momentos mais oficiosos, como os congressos do MPLA. Ruy lembra que se trata de cinema artesanal e as dificuldades de fazer cinema, sendo os meios muito precários: as baterias tinham de ser carregadas no Lubango, fazia-se travellings longos ao ombro, mas com uma câmara ligeira. A equipa era reduzida: realizador, assistente de produção, operador de câmara e operador de som. Uma equipa numerosa seria um factor destabilizador e de difícil manutenção. O ambiente era, no entanto, de grande colaboração e espírito de militância entre a equipa.
Este filme passou por vários incidentes. Além dos problemas de som, com partes impossíveis de decifrar, ficaram inutilizados metros da fita. Enquanto o negativo estava a ser revelado, faltou a luz e o material ficou 12 horas no banho revelador. O autor foi ao Cinecitá para tentar recuperar o filme, deixou o negativo, quando lá voltou todas as colagens do negativo se haviam desfeito. Uma técnica francesa remontou o negativo. Nisto perdeu-se um pouco a ordem: “estava desesperado, o filme não acaba assim, onde foi cortado também não sei. Quando o Nelisita põe os óculos escuros a mãe vem e tira-lhe os óculos.” (RDC, 2004)”.
Fonte: Marta Lança, 2015,( redeangola.info/especiais/nelisita-e-o-cinema-etnografico/)