Garotos felizes, com suas namoradas, seus amigos, cheios de passatempos e sonhos, vão caminhando se juntando meio sem querer querendo, em direção a um parque. Estão simplesmente rindo, brincando… zoando. São adolescentes e crianças que juntos parecem se sentir mais fortes.
O problema é que no momento que estão no parque, um crime acontece, um estupro de uma loira. Alguém tem que ser culpado. Esse crime não pode ficar sem solução. Ei, calma, aqueles garotos são negros ou hispânicos. Achamos os “culpados”.
A história começa com o crime em si. Nós assistimos impotentes como Richardson (Asante Blackk), McCray (Caleel Harris), Salam (Ethan Herisse), Wise (Jharrel Jerome) e Santana (Marquis Rodriguez), todos adolescentes negros ou latinos do Harlem, são puxados para o caso. Vemos confissões forçadas e coagidas. Os pobres meninos se esforçam para juntar uma narrativa que (falsamente) acreditam que agradará aos detetives e os manterá fora da prisão.
A situação vira uma caça às bruxas. Uma inquisição. Somos apenas espectadores assistindo pela tela, mas a impressão é que estamos ali, próximos, tamanha é a verossimilhança que a série passa. As atuações, a direção, a fotografia. É tudo de um capricho e seriedade extremos. Não poderia ser diferente pela temática pesada e violenta que aborda.
A “investigadora” se porta como juíza. Escolheu os culpados e guia tudo a seu bel prazer, para sanar o próprio ego e a sede de “justiça” a qualquer custo. É o poder sendo utilizado da sua pior forma, para induzir mentiras e criar fatos inexistentes.
Alguns garotos viram bodes expiatórios – pois precisam de alguns. São negros e/ou hispânicos. Sofrem da crueldade dos mais baixos níveis que seres humanos (humanos?) podem descer. Tortura, chantagem, violência física e psicológica. A sensação de quem assiste é impotência, indignação.
A história é real; e é isso que dói mais. Em 19 de abril de 1989, uma mulher foi atacada e estuprada enquanto corria no Central Park, em Nova Iorque. Cinco meninos, Korey Wise, Yusef Salaam, Antron McCray, Raymond Santana e Kevin Richardson, que tinham entre 14 e 16 anos na época, foram condenados pelo crime.
A trilha sonora é de um esmero que faz toda diferença, é fator preponderante para o sucesso da produção, guiando o tom das cenas, acrescentando sempre. Nada é aleatório. No primeiro episódio, o som de abertura é I Got It Made, de Special Ed, lançado em 1989. Temos hip hop de alta qualidade com Fight the Power do Public Enemy , artistas de peso como Frank Ocean, Nipsey Hussle Jay Z, The Cinematic Orchestra, entre outros.
Podemos ver também Donald Trump dando entrevistas na época do ocorrido, divulgando sua opinião e inclusive pagando por propaganda em favor da pena de morte. Querendo matar aqueles meninos inocentes.
O tom da minissérie nos dois primeiros episódios é de tragédia épica. No geral, o elenco inteiro atua com eficiência, realismo, e é tudo tecnicamente perfeito, bem produzido, impecável.
O desespero dos familiares dói em quem assiste. Reitero: a sensação de impotência e indignação é forte e inevitável. Vemos um sistema opressor trabalhando de forma injusta e preconceituosa com o apoio de uma mídia sensacionalista. O circo armado.
Olhos que condenam é uma aula sobre crueldade, racismo e injustiça. Coisas ruins que permeiam esse mundo em que vivemos. Não é fácil de assistir, mas é relevante demais. Como meninos inocentes viram bodes expiatórios. Enquanto assistia, muitas vezes senti como se levasse um soco no estômago. A angústia impera.
Imagina você ser preso por um crime que não cometeu? O seu sofrimento e de seus familiares? Nem para o pior inimigo desejaria algo assim.
Tente se colocar no lugar de Korey Wise, um garoto de 16 anos que só quis acompanhar o amigo até a delegacia, para ajudar. E que acaba sendo arrastado pela onda justiceira, sendo o único a ir para prisão de adultos. Jharrel Jerome tem uma atuação que atinge nosso âmago, fazendo sentir o gosto amargo da solidão. No último episódio temos uma noção do que esse guerreiro passou até a reviravolta que trouxe novidades.
Foi pesado ver a minissérie. O trabalho de direção e roteiro de Ava DuVernay deve ser louvado. Todos deveriam assistir para entender melhor o sistema em que vivemos. Sistema esse que foi construído de uma forma tão injusta e opressiva. Infelizmente, na sociedade prevalece o engano. Contudo, no fim, apesar de todo o pesar, a minissérie também é sobre esperança e fé. Isso que move o mundo em prol da verdade e da justiça.