“Ricardo III”, um épico cinematográfico de 1955, povoado por um elenco incrível, um roteiro absurdo baseado na obra do Bardo, e uma energia Camp que pode ser lida como tangencialmente LGBT no ano de 2021. Longe de ser um filme simples, Ricardo III, dirigido, produzido e estrelado pelo imortal Laurence Olivier, equilibra dezenas de personagens com uma história complexa, sotaques afetados e um plot que se desenrola ao longo de 2:40h, sem nunca ser complexo ou fatigante. A abordagem de ter um design de produção simultaneamente minimalista, referenciando a obra ser originalmente do teatro, permite que as atuações, emoções e belíssimos diálogos brilhem através de atuações sólidas, quase carnavalescas na sua exuberância e pose.
Primeiro, um desvio
Para começo de conversa, preciso desabafar quanto à minha surpresa ao finalmente entender que o Lorde Farquaad de Shrek foi obviamente baseado em Ricardo, o epônimo nobre traiçoeiro e vil. Longe de isso atrapalhar a leitura do filme, a existência de um personagem similar na mente de quem assiste ao filme ajuda a traçar paralelos e leva a uma compreensão instintiva, mesmo que hilária, da persona que o nosso protagonista apresenta às câmeras.
Ainda no âmbito de paralelos contemporâneos, se pode observar alguns solilóquios, que é um tipo de monólogo performativo em que o personagem conversa consigo e não para a audiência, mas ainda faz desse ato uma performance para outrem. Dito isso, não tem como não se lembrar de Frank Underwood de House of Cards, outro homem incrivelmente ambicioso e capaz de tirar qualquer um que entre no seu caminho para a glória e poder.
Laurence, o colosso
Retornando ao filme em si, pode se ver que Ricardo III foi um trabalho árduo de amor por uma história envolvente, tanto que Olivier foi capaz de dirigir E atuar, apresentando trabalhos excelentes. Se só atuar já seria difícil devido às centenas de linhas de diálogo, mudança constante de humor e o empecilho óbvio de estar representando um homem coxo, corcunda e com uma mão retorcida. Se atuar nessas condições é difícil, imagine simultaneamente dirigir um séquito quase interminável de atores, cada um com motivações e reviravoltas constantes, animais, crianças, e se manter dentro do personagem. O simples fato de “Ricardo III” não ser um filme ruim é digno de uma ovação em pé.
Afora toda a glória de um filme organizado, “Ricardo III” é divertido, sendo uma fonte inesgotável de mortes, traições, piadas, gracejos, ameaças, juras de amor e sei lá o que mais. Se Shakespeare não fosse um gênio não poderíamos apreciar o outro gênio que Laurence Olivier transpareceu. Ainda assim, algo incomoda, quase de forma inconsciente. Falta, ou melhor, nos falta, a paciência e humildade para entender que “Ricardo III” não é longo e lento, mas sim nós estamos mal-acostumados a filmes descartáveis de 90 minutos.
Conclusões
O longa foi filmado numa época em que se faziam filmes épicos que demandavam da audiência e por isso eram vistos como algo especial, seja pela sua produção de proporções bíblicas (figurativa e literalmente), seja por terem grandes estrelas ou histórias enormes. De qualquer forma, os épicos do meio do século passado foram uma forma específica de entretenimento que era mais imersiva e mais fantástico do que as televisões que estavam se popularizando.
Afinal, entende-se que esse filme sério, dramático e complexo é uma interpretação para as massas da história sangrenta da família real britânica de mais de 600 anos atrás. Se der mole é um relato fantasioso da revista Caras, cheio de detalhes sórdidos, chifres e mentiras escritas para vender e chocar. Levar a sério demais um filme baseado em entretenimento popular pode ser cansativo, então aproveite enquanto pode, pois “Ricardo III” está disponível para assistir por tempo limitado.
O filme está no À LA CARTE, um streaming de filmes pensado para quem ama cinema de verdade. Seu catálogo, que já conta com cerca de 400 títulos,e inclui filmes de todos os cantos do mundo e de todas as épocas: contemporâneos, clássicos, cults, obras de grandes diretores, super premiados e principalmente aqueles que merecem ser revistos e que tocam o coração dos cinéfilos.