Oito amigos se reúnem para comemorar o aniversário de um deles. Em dado momento, o ex-colega de faculdade do anfitrião chega sem avisar. Nada demais, não fossem os oito amigos gays, o ex-colega, heterossexual e o ano, 1968, época em que a homossexualidade era considerada crime e grande parte dos LGBTs viviam no armário. Esse é o enredo de The boys in the band, longa de Joe Mantello, com roteiro de Ned Martel. Baseado em peça de Mart Crowley, estreou no último dia de setembro, na Netflix.
Antes de tudo, é importante saber que 1969 foi o ano em que os direitos dos LGBTQIA+ começaram a mudar. Aconteceu a Revolta de Stonewall e, como resultado, as pessoas da comunidade perceberam que, se unindo, conseguiam lutar contra a LGBTfobia. O orgulho de ser LGBT nascia. No ano seguinte, houve a primeira passeata em prol dos LGBTs no mesmo dia em que houve a Revolta. Mais tarde, ela se transformaria na Parada LGBT de Nova York.
Um espelho da sociedade
The boys in the band, porém, como dito, se passa em 1968. Portanto, as pessoas ainda precisavam esconder quem elas eram, muitas vezes com vergonha, e a sociedade as olhava como pessoas erradas. É nessa realidade que os personagens, oito homens gays, vivem. De fato que podemos perceber, durante as duas horas de filme, que essa atmosfera traz conflitos internos muito grandes para eles, em proporções diferentes.
O filme é um retrato doloroso do que era ser um homem gay nos anos 60. Apesar de haver vários momentos engraçados, não é uma comédia. Tampouco é um dramalhão, mas é sim uma chamada para a reflexão de quanto a sociedade evoluiu de lá até aqui. E do quanto ainda tem pra se caminhar em se tratando de direitos e respeito a pessoas LGBTQIA+. No Brasil, por exemplo, jovens continuam sendo expulsos de casa somente por sua orientação sexual e somos o país que mais mata pessoas LGBT no mundo. Porém, ao mesmo tempo, hoje é possível ter um elenco inteiramente composto de atores abertamente gays, como é o caso de The boys in the band.
Produção de qualidade
O longa, aliás, tem elenco de peso: Jim Parsons, Zachary Quinto, Matt Bomer, Andrew Rannels, Brian Hutchinson, Charlie Carver, Michael Benjamin Watson, Robin de Jesús e Tuc Watkins. Com personagens altamente plurais, cada um brilha na interpretação de personas complexas e reais, ao contrário dos estereótipos que ainda costumamos ver em produções atuais. Jim Parsons, provavelmente o personagem mais internamente complexo, é o que mais se destaca por retratar com maestria as fragilidades de um homem que não se aceita. Todavia, ele mostra com a mesma facilidade a força do personagem.
Há de se ter uma teia muito bem feita de todos os lados para prender a atenção do espectador em um só cômodo e com pouca ação, pelo menos a ação que estamos acostumados a ver. E, além da atuação, toda a estrutura é perfeitamente amarrada: roteiro, direção, cenário, figurino, trilha sonora. Cada elemento interpreta de modo conciso seu papel na tensão que vai aumentando durante as duas horas de filme e que instiga o espectador, ao mesmo tempo em que emociona. The boys in the band é um filme belíssimo e imperdível!
Um pouco de história
The boys in the band foi uma peça escrita em 1968 por Mart Crowley. Com efeito, ela foi revolucionária por, na época, não haver nada que retratasse a vida de homens gays de forma realista. Muito menos sendo foco da trama. Mart e os atores que estrelaram a peça tiveram que ir contra muita gente para seguir com o projeto. Seus agentes, inclusive, diziam que suas carreiras acabariam após a montagem, devido ao imenso preconceito existente na época. Não foi o que aconteceu. Pelo contrário: a peça virou um marco e até hoje é referência.
Em 1970, houve a primeira adaptação cinematográfica. Em 2018, Ryan Murphy realizou uma montagem para comemorar os 50 anos da peça, com o mesmo elenco do longa da Netflix, também com produção de Murphy. Essa montagem ganhou o prêmio Tony, maior premiação de teatro dos Estados Unidos, surpreendendo o autor da peça. Infelizmente, Mart morreu em março desse ano, antes de poder ver o filme finalizado. Mas o filme é dedicado a ele, que transformou a vida de tantas pessoas colocando luz em cima dos excluídos e, com isso, mostrando que eles também eram – e sempre serão – importantes.
A saber, há um documentário também na Netflix que mostra o making of do filme. Nele, Mart Crawley fala um pouco sobre como foi lançar a peça em 1968 e os atores do filme contam a importância, para eles, dessa obra e de seus personagens. O doc se chama The boys in the band – um olhar pessoal e tem 28 minutos. Vale muito a pena assistir também.
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