Uma pena o musical Um Rio Dentro de Mim ter temporada tão curta. Na próxima terça-feira, dia 25 de junho, já será sua apresentação final. Deveria ficar muito mais tempo em cartaz. Todavia, sendo uma peça independente, infelizmente não é possível prolongar por muito tempo. Analu Pimenta, Deborah Marins e o belíssimo texto de Rebecca Noguchi mereciam muito mais dias, contudo.
Um Rio Dentro de Mim é exemplo que se é possível fazer muito com pouco. Principalmente quando se tem talento. E quando se coloca no palco as nossas músicas brasileiras, sempre tão belamente escritas. Na peça, alguns arranjos foram modificados. E encaixaram perfeitamente tanto com suas letras originais quanto com a história.
Enredo
O musical se inicia com Cecília (Deborah Marins) e Fernanda (Analu Pimenta) chegando no apartamento de sua mãe. Com a recente morte da matriarca, as irmãs precisam organizar seus pertences. Totalmente opostas uma da outra, apesar de gêmeas, cada uma lida com o falecimento da mãe de uma forma, assim como com os objetos deixados por ela. No meio da “bagunça”, encontram cartas e diários que vão ajudá-las a destrinchar um pouco mais quem era Dona Ivone. Além disso, vão conhecer um pouco mais sobre a história de sua família, tão intrinsicamente ligada ao Rio de Janeiro – e, também, à história do Brasil.
É bonito demais assistir essas mulheres reconhecendo uma mãe que achavam conhecer. E ver as personagens – e também as atrizes, por que não? – se permitindo modificar enquanto descobrem essa nova história que discorre em frente aos seus olhos. E aos seus ouvidos, já que as músicas fizeram e fazem parte da história de suas vidas. E são elas, as músicas, que contam um pouquinho da história também.
Músicas verdadeiramente brasileiras
Tirando Love of my life, do Queen, que tem justificativa para estar na lista de músicas, todas as canções da peça são brasileiras. Clássicos brasileiros, muitos são aqueles que ouvimos desde que nascemos. Sabe aquela música que todo brasileiro sabe cantar, e nem lembra quando foi que aprendeu? Pois é, elas. São músicas inegavelmente incríveis, mas confesso que eu, pessoalmente, já estou um pouquinho cansada de algumas das que foram cantadas bem no iniciozinho. Como as músicas seguem os anos em que as cartas e diários foram escritos, e estes são lidos em ordem cronológica, essas músicas mais “desgastadas” ficam bem lá no começo. Mas preciso reiterar que estão desgatadas para mim, portanto não me emocionaram tanto quanto as seguintes. Contudo, levei minha mãe comigo na peça e ela chorou do início ao fim.Amou todas as músicas.
Porém, apesar de não emocionarem tanto por terem sido tocadas demais, elas se encaixam perfeitamente no enredo da história. O texto pedia músicas que são a cara do Brasil e que, além disso, são conhecidas por todos. Além disso, que tenham letras significativas e bonitas. E todas elas têm, ou seja, todas as músicas escolhidas estão perfeitamente em seu lugar.
Mistura de emoções
E foram perfeitamente cantadas e tocadas pelas atrizes e pelos músicos, Tony Lucchesi, que também é o diretor musical da peça, Pedro Parreira e Thaís Ferreira. Ter os músicos no palco, junto com atrizes e cenário, fez toda a diferença. Traz a música para mais perto do espectador e permite com que ela seja sentida com mais intensidade.
Outro fator que influenciou nas emoções sentidas durante o espetáculo foi que o Teatro Brigitte Blair, onde está em cartaz, é um espaço não muito grande, o que torna toda a apresentação muito mais intimista. E uma peça dessa, com um texto tão delicado e sensível, pedia mesmo um lugar intimista, que permitisse ao espectador uma aproximação com personagens e música.
Química entre atrizes
Após o fim do espetáculo, as atrizes trocaram algumas palavras com o público, como é costume na maioria das peças. E Deborah Marins disse que é amiga de Analu Pimenta há 30 anos. Esse fato explica a imensa química que as duas atrizes têm no palco, parecendo mesmo que são irmãs. O espectador não têm dificuldade de enxergar o vínculo entre as duas, que sempre existe entre irmãos, mesmo quando são muito diferentes, devido à facilidade que Analu e Deborah têm de mostrar carinho uma à outra. É muito bonita a troca entre elas, e a cumplicidade fica explícita.
No quesito técnico, nem se fala! As duas são exímias cantoras, de arrebatar a cada nota. A jornalista aqui é muito fã de musicais (muito mesmo, de ser meio fanática até), ou seja, estou muito acostumada a ir em musicais e percebo cada detalhe, sou até um pouco crítica demais às vezes. Mas eu nunca deixo de ficar impressionada com a qualidade das vozes dos atores de musicais. São vozes tão limpas e claras que, acredito, nem cantores que não são atores conseguem chegar à essa limpeza vocal. E tanto Analu quanto Deborah têm um controle de voz impressionante.
Além de não terem nenhuma dificuldade em passarem a emoção de suas personagens para a plateia. Analu, como a irmã mais séria, conseguiu passar no olhar toda a dualidade de sentimentos que Fernanda estava sentindo ao ir descobrindo coisas sobre a mãe com quem tinha alguns embates. E Deborah, como a irmã descontraída, conseguiu aliviar a tensão da plateia após momentos mais tensos e emocionantes. Aliás, ela driblou muito bem um problema que ocorreu durante o espetáculo, levando ele pra dentro da narrativa – e fazendo os presentes darem gargalhadas.
Cenografia
Como a peça inteira se passa em um só espaço – a casa da mãe de Cecília e Fernanda -, não é necessário muitos objetos ou um cenário muito cheio de elementos. Contudo, todos os escolhidos foram o suficiente para se contar bem a história. A interação das personagens com cada coisinha deixada por sua mãe mostrou ao público mais e mais de quem eram aquelas mulheres – Cecília, Fernanda e Ivone. Isso que eu quis dizer quando falei, lá no começo, que que é possível fazer muito com pouco. Porque eram poucos objetos, um cenário reduzido, somente jogo de luz, atrizes incríveis e músicos de qualidade e pronto: temos um espetáculo sensacional e emocionante.
Com direção de Bernardo Dugin, Um Rio Dentro de Mim fica em cartaz até o dia 21 de julho, no Teatro Brigitte Blair, às 20h.
Serviço
UM RIO DENTRO DE MIM
Temporada: Até 21 de julho, às 20h
Local: Teatro Brigitte Blair
Endereço: Rua Miguel Lemos, 51H, Copacabana
Ingressos: R$ 90 (inteira) e R$ 45 (meia-entrada). Vendas na bilheteria no teatro ou pela plataforma Sympla.
Duração: 75 minutos
Gênero: musical
Classificação: 14 anos.
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