Simpatia, segundo o Dicionário Oxford Languages, é a faculdade de compenetrar-se das ideias ou sentimentos de outrem. Trópico Fantasma demonstra esta qualidade desde o primeiro momento ao posicionar audiência firme e calmamente numa sala de estar durante o crepúsculo. Longe de ser um filme de ação, o filme demonstra as ações do dia a dia, por mais que estas sejam pedestres e levianas, porém não menos significativas e importantes do que quaisquer outras.
O filme de Bas Devos apresenta Khadija (Saadia Bentaïeb), uma senhora de origem islâmica, que após uma noite de trabalho acaba dormindo no metrô e precisa voltar para casa a pé. Com a essa premissa simples, pode-se observar uma grande romantização e humanização da noite bruxelense. Feliz e infelizmente, a primeira coisa que este crítico carioca nota é a segurança com que Khadija anda pelas ruas e avenidas no meio da noite. Por mais que ela esteja atenta e mantenha a sua bolsa próxima não existe uma ameaça a cada esquina, nem um desespero nas suas ações. Trópico Fantasma é um filme essencialmente pacífico, focando nas interações humanas e na aparente falta de desenvolvimento ao longo de uma volta para casa.
Bondade junto de ética
Retornando à simpatia, é esta qualidade profundamente humana que rege todo o tom do filme. Desde a conversa calma entre protagonista e segurança do shopping que quebra regras para ajudá-la, até o contrato silencioso com o invasor urbano. Khadija demonstra compaixão e os outros personagens demonstram o mesmo, ainda que com certa relutância. Ainda assim vemos uma fé no potencial humano de ser bondoso e de ajudar o próximo, mesmo que isso não seja condizendo com a realidade.
A aparente falta de desenvolvimento é dada justamente pelo longa não procurar “melhorar” ou modificar a protagonista de nenhuma forma, pelo contrário, é feita uma exposição dos seus valores, humores e modos. A audiência aprende que Khadija é uma mãe, trabalhadora, que mudou de emprego, que tem um senso forte de compaixão e uma bússola moral firme; isso tudo sem perder algum bom humor. Por conta dessas descobertas graduais, Trópico Fantasma mostra uma personagem, que parece ser absolutamente real, passando por um pequeno revés que já aconteceu com quase todas as pessoas no mundo: dormir na condução. Na aparente banalidade desta obra, Devos demonstra um olhar atento para as peculiaridades da vida urbana assim como uma compreensão sólida de como interações sociais ainda podem ser positivas e leves.
Mesmo que esta obra aparente ser despropositada, acabamos por nos encontrar com um pedaço de arte fundamentalmente belo. Por fim, toca no fundo da alma e logo na primeira cena com a protagonista nos faz rir por pura simpatia.
Trópico Fantasma está no catálogo da Supo Mungam Plus.
Aliás, olha o trailer:
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