Estreia nesta quinta-feira, 3 de março, a mais nova encarnação do homem-morcego nos cinemas. “The Batman” de Matt Reeves surpreende com uma versão bastante soturna e desconfortante do herói. Ou seja, uma repaginada sombria do homem-morcego. Em outras palavras, o filme consegue trazer um ar de renovação a um universo quase exaurido de adaptações de heróis de quadrinhos.
Quando pensamos em filmes do Batman, é meio inevitável uma comparação com as versões anteriores. Pode-se perceber e entender qual será o tom do filme pela primeira aparição do herói. Enquanto no filme de 1989, de Tim Burton, Batman responde “Eu sou Batman”, quando um bandido pergunta quem ele é, neste novo filme, ele responde “Eu sou a vingança” para a mesma pergunta.
Repaginada sombria
A partir daí, é possível perceber o tom crítico e dualista, do roteiro, na construção do personagem. O filme mescla um pouco do tom sombrio do Batman de Tim Burton, com o tom mais realista de Christopher Nolan. O resultado é um filme que valoriza mais o suspense que a ação, embora haja cenas interessantes nesse sentido, como uma de perseguição automobilística, que não deixa a desejar.
A personificação de Batman, nesse filme, é a de um herói bem mais jovem (e talvez) mais despreparado que seus antecessores. Todos eles, mais maduros e seguros. Muitas vezes, ele parece hesitante, tem dúvidas e seus movimentos não são tão perfeitos (ou coreografados) como em outros filmes. Suas deduções como detetive, também, por vezes, não são tão brilhantes como poderíamos esperar.
Porém, não é apenas essa construção de um herói iniciante que diferencia esse Batman, de outros. O Batman, de Robert Pattinson, é mais isolado, antissocial e taciturno do que qualquer outra representação. Enquanto, em outras aparições, ele leva uma vida dupla, interpretando o papel do playboy Bruce Wayne, no filme de Reeves, não vemos isso. Ao passo que, nas poucas cenas em que o milionário aparece, ele aparenta estar mais distante e angustiado do que quando personifica o justiceiro de Gotham.
Mudanças no personagem
Em suma, essa é apenas uma das muitas mudanças que o filme apresenta. Algumas são sutis e outras bastante evidentes. Em conclusão, a meu ver, todas são bastante eficientes para a repaginada sombria, que o filme faz do personagem, e eventos relacionados à sua origem. Portanto, de certa forma, elas justificam uma nova incursão na criação de mais um novo universo para o homem-morcego. Porém, apenas uma mudança, realmente não me agradou: a relação de Batman com Alfred (Andy Serkis), que agora é mais fria e distante.
Eventualmente, essa decisão tornou o personagem um pouco irrelevante para a história, e pode parecer estranha para quem, como eu, se acostumou com Alfreds tão importantes e relevantes para Bruce/Batman. Todavia, não é nada que chegue a comprometer o filme. Ao contrário, até faz sentido, dentro do que o filme se propõe. Por outro lado, fico na torcida, para que Alfred tenha um pouco mais de destaque em uma possível continuação.
Vilões e aliados
Como é de praxe em filmes do Batman, a interpretação dos vilões costuma se destacar mais. Logo, aqui, não é exceção. Desse modo, temos a onipresença ameaçadora do Charada (Paul Dano), a incerteza do Pinguim (Colin Farrel), distante da visão maléfica, já conhecida do público e a sombria magnitude de Carmine Falcone (John Turturro) à la Don Corleone. Da mesma forma, há também a presença ótima dos aliados de Batman: James Gordon (Jeffrey Wright) que funciona como uma espécie de contraponto moral, tanto para o homem-morcego, quanto para a força policial, permeada por corrupção e Selina Kyle (Zoë Kravitz), a Mulher-gato.
Eventualmente, as poucas vezes em que Batman mostra um pouco de emoção e sociabilidade são reações à aproximação de Selina, que rouba todas as cenas em que eles aparecem juntos. Ao passo que ela, inclusive, parece influenciar mais ele, do que ao contrário. Uma relação tal qual a presente no filme “Batman – o retorno”, de Burton.
Outro aspecto é que não há espaço para cenas de alívio cômico. Há apenas uma, bastante sutil. O que contribui para um clima de constante tensão, desconforto e expectativa diante de todo o suspense do filme. Gotham é apresentada como um lugar sufocante e agonizante, como uma cidade moribunda, a qual Batman tenta freneticamente salvar.
Um novo olhar
O “Batman” de Matt Reeves, pode não ser o melhor já feito, mas traz uma repaginada sombria, feita especialmente para o tempo em que vivemos, em que há uma progressiva descrença em relação ao funcionamento político da sociedade e uma sensação de vazio e desamparo vivenciado por grande parte da população. A condição de herói de Batman é questionada, nesse filme, mais do que em qualquer outro. Ele realmente acredita no seu propósito, mas as consequências de seus atos são mais complexas e perigosas do que antes.
O filme nos mostra um novo olhar sobre o personagem. Um olhar mais questionador, que honra o passado do personagem e ao mesmo tempo indaga sua congruência, em meio a tempos obscuros em que vivemos. Reeves consegue absorver o que tem de melhor de cada Batman anterior ao seu, e ainda adiciona elementos de outros gêneros, como o noir, suspense de serial killer e até tons de faroeste. Quando Batman anda imponente, ouve-se o barulho de suas botas pisando, de uma forma tão imponente quanto as esporas das botas de Clint Eastwood nos filmes de Sergio Leone.
Curiosamente, esse Batman utiliza bem menos equipamentos que seus antecessores. Seu apetrecho mais interessante é uma lente de contato, que é utilizada como uma espécie de olho investigativo, que vê e sabe tudo. Assim como o novo olhar, que Reeves propõe para esta nova versão do homem-morcego.
Enfim, o filme não decepciona, e é uma ótima pedida para uma ida ao cinema neste fim de semana. Confira a programação dos cinemas de sua cidade!
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Maravilhoso seu texto meu amigo! Me deu mais vontade ainda de assistir ao filme!